Políticos do PT subiram na terça-feira 21 a famosa ladeira
do Curuzu, bairro popular de Salvador. Uma eleitora perguntou para outro: “Quem
é aquele ali ao lado do Rui?”. O Rui, que ela conhece, é o governador da Bahia,
Rui Costa, candidato à reeleição. “É o tal de Andrade”, responde o outro.
“Andrade” é como o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, começa a ser
chamado no Nordeste pelos que já associam que será ele, e não Lula, o candidato
do PT à Presidência.
A pouco mais de um mês das eleições, no entanto, ele ainda
percorre as ruas do País quase como um desconhecido. Diante da insistência do
PT em esticar ao máximo a candidatura de Lula mesmo sabendo que ela é ilegal e
será interrompida antes de chegar às urnas eletrônicas, Haddad carrega todos os
ônus da estratégia. Como não é o candidato à Presidência, mas a vice, ele não
participa de debates e não entra nos noticiários no momento de divulgação das
agendas. Vira, assim, apenas mais um, hoje em desvantagem, a disputar o espólio
da expressiva votação de Lula. Se Haddad é o herdeiro oficial ainda não
oficializado, Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT) apostam na capacidade de
atraírem eleitores de Lula por encarnarem perfis igualmente de esquerda. Ambos
foram ministros dos governos de Lula. Ciro tem a seu favor o fato de ter sido,
até o PT resolver abandoná-lo, um ferrenho defensor de Lula. Marina conta com o
fato de ser uma fundadora do PT, aliada do ambientalista e líder político Chico
Mendes. E possuir uma trajetória parecida com a de Lula – a de uma liderança
forjada na pobreza que ascendeu.
Do total de 110 milhões de eleitores que devem de fato
comparecer às urnas, cerca de 60 milhões estariam na órbita de influência do
ex-presidente Lula. São os chamados votos sub judice. A pesquisa Datafolha
divulgada na quarta-feira 22 indica que, se pudesse ser candidato, Lula teria
39% das intenções de voto. Sem o petista, os votos atribuídos a ele
distribuem-se entre vários candidatos, deixando, hoje, Haddad na rabeira da
disputa, com somente 4%. Marina e Ciro dobram suas intenções de voto: ela pula
para 16% e ele vai para 10%. Não é um cenário consolidado. Em um mês e dez
dias, o quadro pode ser outro. O suficiente para esquentar a guerra fratricida
no espectro político de esquerda de agora em diante.
” Não adianta querer vesti-lo de Lula. Ele (Haddad) não é
Lula” Jaques Wagner (PT), ex-governador da Bahia
O campo principal da batalha no qual Ciro, Marina e Haddad
travarão pelos votos de Lula é o eixo Norte-Nordeste. Berço da desigualdade
social mais profunda, o Nordeste tornou-se um divisor de águas nas últimas
eleições e é lá onde reside a maior parte dos eleitores do Lula. Justamente por
conta disso, a região tem recebido nos últimos dias uma verdadeira romaria de
candidatos. Na semana passada, Marina Silva (Rede) esteve em dois estados
nordestinos. Visitou Fortaleza, capital do Ceará, na segunda-feira 20 e Recife,
capital de Pernambuco, no dia seguinte. Para se viabilizar como desaguadouro
dos votos da esquerda, Marina trabalha para desfazer a imagem de mulher frágil,
cultivada em terrenos férteis há quase uma década, com uma importante contribuição
dela própria. Agora, ela tenta demonstrar personalidade – quer personificar uma
árvore típica de sua região: a biorana. “Experimenta bater com o machado: sai
faísca e não verga”, repete Marina em vídeos que circulam na internet. A
estratégia percorreu o debate RedeTV!/IstoÉ na sexta-feira 18. Em dado momento
da refrega, a candidata do Acre partiu para cima de Bolsonaro deixando-o sem
ação. “Você acha que resolve tudo no grito”, reagiu diante de uma pergunta mais
áspera do candidato do PSL. Pesquisas internas revelam que a postura a levou a
amealhar votos femininos. A mudança no perfil da candidata envolve aspectos
visuais e estéticos. Nos últimos dias, Marina promoveu sutis mudanças no seu
figurino, reduzindo o uso de ornamentos amazônicos. Para manter-se em alta com
as mulheres, Marina promete inseri-las no processo produtivo. Se eleita, ele
promete investir em creches e escola de tempo integral e dará apoio ao
empreendedorismo feminino. A candidata da Rede também acena viabilizar o acesso
de mulheres ao microcrédito e oferecer assistência técnica para que elas possam
abrir o próprio negócio.
Assim como Marina, Ciro Gomes empreende uma guinada
comportamental para conseguir herdar os votos de Lula. Só que no sentido
inverso: Ciro modera o discurso. Apresenta-se mais “Cirinho paz e amor” do que
nunca. Depois de tropeçar seguidamente na língua, Ciro apareceu com
posicionamento bem mais ameno nos primeiros debates, onde tem feito questão de
começar suas perguntas elogiando o candidato adversário e o chamando de
“amigo”. De outro lado, aposta em algumas propostas populistas. Como a de que
vai resolver o endividamento de 63 milhões de pessoas. Se pudesse, convocaria
Zeca Pagodinho para cantar em prosa e verso em seus comícios o samba “Eu vou
tirar seu nome do SPC”. Ciro também pretende fazer um aceno de políticas
públicas às mulheres, discutindo melhorias no sistema de saúde e de assistência
educacional.
“Cirinho”
Para seduzir o eleitorado do Nordeste, Ciro Gomes aposta na
sua origem. Embora seja paulista, nascido na mesma Pindamonhangaba de Geraldo
Alckmin, Ciro mudou-se criança para a cidade de Sobral, no Ceará. Sua fala
carrega forte sotaque cearense. A teórica vantagem pode ser um problema para
Ciro. Explica-se: no Ceará, ele tem convivência pacífica com o PT do governador
Camilo Santana, candidato à reeleição. Em outros estados nordestinos, no
entanto, a máquina petista trabalhou forte contra ele. Um caso notório é
Pernambuco, ponto central da intervenção feita pelo PT para evitar que o PSB
virasse aliado de Ciro, robustecendo a sua candidatura. Assim, integrantes da
campanha do pedetista acreditam que ele terá mais dificuldade justamente nos
Estados em que o PT tem maior protagonismo, como Bahia e Piauí.
Enquanto Ciro já colocou o pé na estrada há mais de um mês,
o único herdeiro com a chancela oficial, Fernando Haddad começou a percorrer o
País apenas na última semana e com a foto de Lula debaixo do braço. Os
primeiros programas de TV a serem gravados pelo PT pretendem fazer uma fusão de
frases nas quais se passará a ideia de que Lula transmuta-se em Fernando
Haddad. Passam de “Lula e Haddad” para “Lula é Haddad”, em momento a ser
definido. Seu problema será ser capaz de obter efeito para essa mensagem numa
campanha de pouco mais de 30 dias, onde, oficialmente, ele começa não sendo o
candidato. E o desafio é ainda maior porque as pesquisas mostram que Haddad é
mais desconhecido justamente onde Lula tem mais votos. Os maiores índices de
desconhecimento do ex-prefeito são no Norte e no Nordeste: 54% e 51%,
respectivamente. Para petistas, como o ex-governador da Bahia Jaques Wagner,
Haddad não pode ser apenas o avatar de Lula na disputa.
Precisa ter um perfil próprio colocado para o eleitor. “Não
adianta querer vesti-lo de Lula. Ele (Haddad) não é o Lula”, afirmou. Há outro
elemento importante pouco levado em consideração. A tragédia do poste 1 – Dilma
Rousseff – permanece vivíssima na memória do eleitor. O eleitorado lulista
arriscaria votar de novo num preposto dele, o poste 2, diante da profunda crise
legada pelo poste 1? Para o cientista político David Fleischer, professor da
Universidade de Brasília, Haddad pode até ser mesmo o maior beneficiário do
capital político de Lula. Mas não numa parcela suficiente alçá-lo ao segundo
turno. “Pelo tempo curto, a força de Lula não será tão grande como foi em 2010,
quando ele elegeu Dilma Rousseff”, analisa. Para quem quer atrair o eleitorado
lulista, Fleischer recomenda sola de sapato. “As campanhas de rua serão
importantes porque os telejornais locais vão cobrir. É uma oportunidade”,
salienta Fleischer. Em jogo, a tão acalentada vaga no segundo turno.
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