Como esperado, o processo eleitoral vai aprofundando as
contradições presentes na mais grave crise da história republicana. Numa cruel
combinação de estagnação econômica e paralisia política, o país assiste ao
acirramento das tensões sem que possa encontrar um rumo seguro. Nada indica que
após a tormenta eleitoral o Brasil este quadro vai mudar.
No Brasil, a construção da democracia e de suas instituições
é um longo processo. Isto porque o passado patrimonialista ainda nos aprisiona.
Qualquer avanço é fruto de muita luta e de pequenas vitórias. Como não temos
tradição de rupturas, a tendência é sempre incorporar o derrotado na nova
ordem. Que, obviamente, deixa de ser plenamente nova; pois, ora mais, ora
menos, rearranja o poder político mantendo frações do passado no presente. Esta
permanência não só dificulta a plena constituição do Estado Democrático de
Direito, como impede até que o pensamento crítico se incorpore à vida política
nacional.
A tendência histórica à conciliação transformou o aparelho
de Estado numa esfera onde os antigos vícios da gestão da coisa pública
permaneceram petrificados. O entorno era modificado mas a essência mantinha-se
a mesma. Como se a história não se movimentasse. Pior, como até se o processo
eleitoral de nada adiantasse, restringindo-se à mera substituição dos gestores,
sem alterar seus fundamentos – o que parece estar se ocorrendo novamente na
presente eleição.
Virou lugar comum afirmar que as instituições de Estado
brasileiro estão em pleno funcionamento. As ações de combate à corrupção são
demonstrações que reforçam a afirmativa. Contudo, cabe perguntar se a sua
permanência em todos os níveis e em todos os poderes da República não
representa justamente o contrário. Ou seja, que as instituições funcionam mal,
muito mal. Se há tanta corrupção é porque é fácil instalar uma organização
criminosa, político-partidária ou não, no interior dos órgãos estatais. E com a
garantia da impunidade ou, no máximo, de suaves punições que estimulam, em um
segundo momento, novos atos contrários ao interesse público, como no binômio
mensalão-petrolão, onde o núcleo duro foi o mesmo, mas em uma magnitude – em
termos financeiros e temporais – muito maior.
Identificar a permanência e apontar a necessidade urgente de
enfrentá-la, não é bem visto no país das Polianas. E haja Poliana. Se a análise
se concentrar em Brasília, como símbolo do poder, é possível detectar que,
apesar de vivermos uma das mais graves crises da história republicana, não há
nenhuma possibilidade de mudança, mudança efetiva. A atual paralisia política é
resultado da dificuldade de construir uma saída mantendo os velhos interesses
no aparelho de Estado. O resto é pura fraseologia vazia. Como diria o titio
Joel Santana: cock-and-bull story.
O petismo, no auge, contou com apoio entusiástico da elite
brasileira. Mesmo após as denúncias do mensalão, publicizadas na CPMI dos
Correios. Para as classes dirigentes, o projeto criminoso de poder foi visto,
apenas, como uma forma de governança, nada mais que isso. Quando Dilma Rousseff
iniciou seu primeiro mandato foi muito elogiada pela forma como administrava o
governo e pelo combate – ah, Polianas – aos mal feitos, forma singela como
definia a corrupção, marca indelével do seu período presidencial. Quem apontava
as mazelas era visto como rancoroso, um pessimista contumaz.
No momento que Fernando Collor renunciou à presidência da
República, já tinha ocorrido uma recomposição de forças, desde o mês anterior à
autorização para a abertura do processo de impeachment pela Câmara dos
Deputados, a 29 de setembro de 1992. Ou seja, a movimentação em torno de Itamar
Franco, vice-presidente, permitiu que o bloco político-empresarial
estabelecesse e garantisse as condições de governabilidade, que tinham sido
afetadas, um ponto fora da curva entre os períodos presidenciais desde 1945. A
queda de Collor – que não tinha nenhuma sustentação social ou no Congresso
Nacional – pode ser compreendida, então, mais como um rearranjo do bloco
político-empresarial, redefinindo interesses no interior do aparelho de Estado,
do que uma vitória das ruas, dos caras-pintadas. As ruas – mesmo sem o querer –
acabaram permitindo uma saída confiável no interior de uma ordem política
intrinsecamente anti-republicana.
Um quarto de século depois, as acusações que pesaram contra
Dilma Rousseff foram incomparavelmente mais graves do que aquelas imputadas a
Fernando Collor. Os atos de corrupção, a desastrosa gestão econômica, o
controle da máquina estatal por uma organização criminosa com tentáculos nos
três poderes, não teve paralelo na nossa história e nem na história ocidental.
No próximo mês de outubro o Brasil decide o seu rumo. Não
basta a simples troca de presidente. É preciso ir mais fundo. Mas o sistema tem
seus limites. Aí mora o fulcro da questão.
Marco Antonio Villa é historiador.
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