O juiz que, num país de cultura pública patrimonialista,
joga um ex-presidente da República dentro de uma cela, como fez Sérgio Moro,
obriga-se, daí em diante, a levar vida de bispo. Claro, somos iguais perante a
lei, mas Lula, por sua dimensão histórica, não pode ser reduzido a réu sem que
seu acusador guarde uma conduta isenta de contradições. O juiz federal passou
longe disso ao assumir cargo de confiança (demissível e, por definição,
político) no governo do presidente eleito Jair Bolsonaro.
Não vou derrapar naquela narrativa paranoica que, no limite,
define a operação Lava Jato como manobra dos EUA para despejar as reservas
fósseis do país na conta da elite “branca, misógina e homofóbica” de lá. Menos
ainda na conclusão delirante do acordo antecipado para levar o juiz ao poder
quando, enfim, tivesse concluído o “serviço sujo” de manter Lula longe das
urnas. Ora, quem se colocou a milhas das urnas foi o próprio Lula ao se expor
ao comando, ativo ou consentido, do aparelhamento do Estado por uma organização
criminosa cujo bunker estava em seu palácio.
O que faz da decisão de Moro em participar do governo um
erro é simples: não há, na cultura pública do país, como um gestão se
estabelecer sem incorrer em contradições que ferem a integridade que se espera
de quem tomou as decisões que ele tomou e as primeiras infiltrações já estão
aí, antes mesmo da posse: quatro, dos oito indicados até então, são
investigados por suspeita de cometerem os crimes clássicos que levaram 60
pessoas, entre empresários e parlamentares, ao calabouço sob sentenças de Moro
confirmadas em segunda instância.
Sim, o benefício da dúvida: são todos inocentes até que se
prove o contrário. Mas no governo de um presidente eleito sob a forte bandeira
da moralidade, pública e privada, não deveria haver lugar para suspeitos: teria
cada um de seus colaboradores não apenas que ser sério, mas, como a mulher de
Cézar, parecer sério. A presença de Moro no ministério, à parte o reforço de
popularidade ao presidente eleito, multiplicou as restrições a ele já
existentes numa parcela menor da opinião pública e colocou outra parte dela no
modo Cético. Creio nas boas intenções do juiz, mas lamento sua decisão.
*Ricardo Alcântara,
Escritor e publicitário.
Via Blog do Eliomar
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