quinta-feira, 22 de novembro de 2018

A INFELIZ DECISÃO

Artigo de Ricardo Alcântara
O juiz que, num país de cultura pública patrimonialista, joga um ex-presidente da República dentro de uma cela, como fez Sérgio Moro, obriga-se, daí em diante, a levar vida de bispo. Claro, somos iguais perante a lei, mas Lula, por sua dimensão histórica, não pode ser reduzido a réu sem que seu acusador guarde uma conduta isenta de contradições. O juiz federal passou longe disso ao assumir cargo de confiança (demissível e, por definição, político) no governo do presidente eleito Jair Bolsonaro.
Não vou derrapar naquela narrativa paranoica que, no limite, define a operação Lava Jato como manobra dos EUA para despejar as reservas fósseis do país na conta da elite “branca, misógina e homofóbica” de lá. Menos ainda na conclusão delirante do acordo antecipado para levar o juiz ao poder quando, enfim, tivesse concluído o “serviço sujo” de manter Lula longe das urnas. Ora, quem se colocou a milhas das urnas foi o próprio Lula ao se expor ao comando, ativo ou consentido, do aparelhamento do Estado por uma organização criminosa cujo bunker estava em seu palácio.
O que faz da decisão de Moro em participar do governo um erro é simples: não há, na cultura pública do país, como um gestão se estabelecer sem incorrer em contradições que ferem a integridade que se espera de quem tomou as decisões que ele tomou e as primeiras infiltrações já estão aí, antes mesmo da posse: quatro, dos oito indicados até então, são investigados por suspeita de cometerem os crimes clássicos que levaram 60 pessoas, entre empresários e parlamentares, ao calabouço sob sentenças de Moro confirmadas em segunda instância.
Sim, o benefício da dúvida: são todos inocentes até que se prove o contrário. Mas no governo de um presidente eleito sob a forte bandeira da moralidade, pública e privada, não deveria haver lugar para suspeitos: teria cada um de seus colaboradores não apenas que ser sério, mas, como a mulher de Cézar, parecer sério. A presença de Moro no ministério, à parte o reforço de popularidade ao presidente eleito, multiplicou as restrições a ele já existentes numa parcela menor da opinião pública e colocou outra parte dela no modo Cético. Creio nas boas intenções do juiz, mas lamento sua decisão.
*Ricardo Alcântara,
Escritor e publicitário.
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