Faz três semanas, o país está entretido com a remontagem das
peças do Lego Ministério do presidente eleito, Jair Bolsonaro. De seu plano de
ação, sabe-se apenas de reformas ainda indistintas em uma névoa de ambições
grandes. No entanto, afora a semana de festas, falta um mês para a posse.
Em parte, o jogo da transição interessa, pois se trata de
definição de grupos de poder, de alianças sociais (ou da falta absoluta delas)
ou de preliminares de reformas graves na administração e nas políticas
públicas.
Em parte, se trata apenas de fetichismo, da tentativa de
chegar ao corte prometido em campanha, a um número cabalístico e populista de
ministérios, o que na imaginação popularesca passa como “corte na carne”.
Pode bem ser que o governo tenha planos secretos. Mas a
gravidade anormal da situação econômica requer urgência em certas decisões.
O governo de transição de Bolsonaro pretendeu por um momento
votar a reforma da Previdência de Michel Temer, que pouco antes chamara de
“porcaria”. Dada a indiferença do Congresso, cogitou aprovar pedaços apenas do
projeto temeriano lipoaspirado.
No caso de reforma alguma em 2018, diz que vai começar do
zero, propor uma reforma dupla e gigante (a do sistema atual e a criação de um
novo, de poupança individual), de elaboração complicada e aprovação mais ainda,
que pode levar o 2019 inteiro no Congresso.
Esse prazo dilatado em si mesmo já seria um problema, mas o
menor deles. Uma reforma mais ambiciosa, de caráter duplo, em um Congresso
novo, com velhas lideranças dizimadas, conduzido por uma coordenação política
inexperiente e ainda incompleta tende a gerar incerteza, que desidrata o
crescimento econômico desde 2014, inclusive o de 2018.
Haverá mais poças visguentas de incerteza pelo caminho, a
julgar pelas vastas ambições e pensamentos ainda imperfeitos do futuro
überministro da Economia, Paulo Guedes.
Além de coordenar a organização de seu megaministério,
Guedes diz que pretende implementar um plano amplo de mudança dos impostos
federais.
Além disso e ao mesmo tempo, reduziria as proteções
comerciais (impostos de importação e outras), que guarnecem empresas
brasileiras.
Em si, assim genérica, a ideia é boa. Mas nada se sabe do
ritmo de proposição e implementação dessa reforma comercial e tributária
(dependente de leis novas). Mais sabido é o impacto que tal intenção de mudança
pode ter sobre planos empresariais.
Impostos, proteções comerciais e de outra espécie definem
parte da rentabilidade de um empreendimento. Quanto mais incertas e amplas as
mudanças, mais empresas podem ficar com o investimento na retranca. Não é
destino ou previsão de fracasso, de confusão inevitável. Mas confusão pode
haver sem que se explicitem sequência, viabilidade e transparência dos custos e
dos benefícios da mudança tributária.
Muito plano de pré-governo é mera ficção, que se desmancha
em realidade assim que o ministro toma pé do que se passa em sua pasta ou
conhece projetos de longo prazo propostos e tocados pelos técnicos estáveis.
Outros projetos se desmancham no ar ou são revistos no confronto político com o
Congresso ou com a sociedade. Mas certos planos fundamentais têm de ser claros
e prioritários.
Ambição demasiada cria incerteza e amplia riscos, o que pode
emperrar a economia, o que, por sua vez, azeda o ambiente para reformas:
entra-se em um pântano, em um círculo vicioso.
Vinicius Torres Freire, O Estado de S.Paulo
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