Caro leitor,
O presidente Jair Bolsonaro viaja para o Fórum de Davos
constrangido pelo pente-fino do Conselho de Controle de Atividades Financeiras
(Coaf) e do MP do Rio nas finanças de seu primogênito. Desde a noite de
sexta-feira, 18, soube-se que o Coaf achou 48 depósitos não identificados de R$
2 mil cada para o deputado estadual pelo PSL Flavio Bolsonaro, ao
todo R$ 96 mil ao longo de cinco dias em 2017; identificou o
pagamento pelo parlamentar de um título de mais de R$ 1 milhão; e descobriu que Fabrício Queiroz, ex-assessor do deputado, movimentou R$ 7
milhões de 2014 a 2017 . Houve ainda a revelação pelo Estado de
que os promotores do Rio investigam, no caso, lavagem de dinheiro e ocultação de bens. O quadro indica
que nos próximos dias a crise tenderá a crescer. Tem potencial para gerar
mais perguntas incômodas para o governo e deslizar perigosamente em direção ao
Palácio do Planalto.
Há 21 dias no posto, Bolsonaro pretendia desembarcar no
encontro com os pesos-pesados do capitalismo na Suíça cavalgando um discurso de
modernização conservadora do Brasil, com igualdade de todos perante a lei e
rigor com a coisa pública. O caso Flavio-Queiroz tende a fragilizar essa
pregação ou cerca-la de desconfiança. A partir das revelações, o deputado terá
dificuldade para alegar que o “rolo” (nas palavras do presidente) é coisa
exclusiva do ex-auxiliar. E Bolsonaro não pode dissociar seu nome e imagem do filho,
diferentemente do que poderia fazer se o caso envolvesse apenas um auxiliar
enrolado em uma história mal explicada. Com os fatos novos, seus movimentos em
Davos exigem mais cuidado. Preventivamente, uma entrevista coletiva do presidente, prevista no encontro, sumiu
da agenda, como mostrou a Coluna do Estadão. Bolsonaro
lerá uma declaração, sem que os repórteres possam fazer perguntas sobre os
problemas de seu filho.
O novo relatório do Coaf surgiu em mau momento para Flavio.
Ele já tentava, com o discurso da perseguição política ao pai - criticado pelos
bolsonaristas no arquirrival PT, que, ao se defender, também se diz perseguido - lidar com o desgaste gerado por ter recorrido
ao Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender a investigação do
MP do Rio. O comportamento contrasta com o pregação dos Bolsonaro
de desprezo pelo foro privilegiado, em vídeo exibido em 2017.
Nele, Jair Bolsonaro aparece com Flavio, que agora recorre à Corte para pedir o
que o pai criticou.
O governo, apoiado em uma heterogênea e improvisada frente
conservadora, enfrenta desafios e divergências. Há incômodo, entre alguns
ministros e militares, com as dificuldades de Flavio para se explicar, como mostraram Tania Monteiro e Eduardo Rodrigues. Mas
outros integrantes do bloco de poder saíram em defesa do governo, tentando
dissocia-lo do caso Flavio-Queiroz. Um foi o vice-presidente, Hamilton Mourão. Outra foi a
senadora eleita Tania Arruda (PSL-MT), juíza aposentada conhecida como Moro de Saias, que não viu “nenhuma irregularidade” nos
depósitos fracionados.
Desde que o Estado revelou com exclusividade que o
Coaf descobrira que Fabrício Queiroz, tivera, ao longo de treze meses na
Assembleia Legislativa, movimentação financeira de R$ 1,2 milhão -
incompatível com sua renda - o governo Bolsonaro mostra não saber como lidar
com o caso. Depois de algumas declarações em defesa de Flávio - que protestou inocência, o clã Bolsonaro,
gradativamente, assumiu atitude mais discreta. Revelados os depósitos anônimos,
em série e idênticos, Eduardo Bolsonaro, irmão e deputado federal pelo PSL em
São Paulo, até postou um vídeo em que um advogado critica o Ministério Público
do Rio. Mas nitidamente há dificuldades para enfrentar o assunto na
aliança política que conquistou o poder com um discurso de combate à corrupção.
No Planalto, exibe o léxico das teorias de conspiração do conservadorismo
nacional, com anúncios diários de pentes-finos em caixas-pretas, onde ocorreriam tenebrosas transações. Em um grupo
político que prioriza essas iniciativas fortemente embasadas no
senso-comum, fica difícil explicar a torrente de dinheiro que transita
pelas contas de Flavio e Queiroz, seu assessor por mais de dez anos. Há
indícios de que os recursos tenham origem na chamada rachadinha - confisco de
parte do salário dos assessores nos Legislativos, investigada em pelo menos 16 Estados.
Antes das novidades da noite da sexta-feira e do fim de
semana, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, tinha atribuído à política
- uma suposta tentativa de desgastar Bolsonaro pai -
as denúncias contra Flavio. Embora não haja evidência de
conspiração política para atingir o presidente, porém, Onyx pode ter acertado,
pelo menos no atacado. O maior problema do primeiro clã, neste caso, é,
antes de jurídico, político. Os Bolsonaro não conseguem gerar uma narrativa
plausível para sua base, como primeiro passo do presidente e seu governo para
uma contraofensiva. Essa dificuldade tende a acompanha-lo na Suíça.
Sobretudo, falta a verdade - aquela que, segundo São João
(8: 32), uma vez conhecida, nos libertará. Era o que repetia o candidato Jair
Bolsonaro, ao pedir o voto dos brasileiros para chegar ao Planalto.
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