Candidaturas de laranjas levam Congresso a propor fim de
cota para mulheres
A revelação do esquema
de candidaturas femininas de fachada simplesmente para que partidos
atingissem o percentual mínimo de candidatas trouxe de volta ao Congresso a
discussão sobre a cota de vagas para mulheres nas eleições.
No primeiro mês de trabalho do Legislativo foram
apresentados dois projetos que levam em consideração o desvio de recursos a
partir de candidaturas de laranjas.
O primeiro acaba com o Fundo Especial de Financiamento de
Campanha, o chamado fundo eleitoral. O outro, da semana passada, extingue o
percentual mínimo de candidatas.
Se aprovados até outubro, podem já valer para as eleições
municipais de 2020.
Desde 2009, mulheres precisam ser 30% das candidaturas
registradas por um partido.
Além disso, no ano passado, o TSE (Tribunal Superior
Eleitoral) decidiu que as legendas deverão reservar pelo menos 30% dos recursos
do fundo eleitoral para financiar candidaturas femininas. O mesmo percentual passou
a ser considerado em relação ao tempo de propaganda eleitoral no rádio e na TV.
No entanto, como a Folha mostrou em
reportagens neste ano, partidos usaram mulheres como candidatas laranjas nas
últimas eleições.
Uma das siglas que adotou a prática foi o PSL, partido do
presidente Jair Bolsonaro, eleito com o discurso de ética e fim da corrupção.
Diante das denúncias, Gustavo Bebianno, que presidiu o
partido na época das eleições, foi
demitido do cargo de ministro da Secretaria-Geral, e o ministro do
Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, teve sua manutenção no cargo questionada
por aliados do governo.
Reportagem da Folha publicada em 4 de
fevereiro revelou que Álvaro Antônio, deputado federal mais votado em Minas
Gerais, patrocinou
um esquema de quatro candidaturas de laranjas, todas abastecidas com verba
pública do PSL. O caso é investigado pela Polícia Federal e pelo Ministério
Público do estado e levou o ministro a reivindicar no STF (Supremo Tribunal
Federal) foro especial —o que foi negado.
"No momento em que se estabeleceu o percentual de 30%
para as mulheres, está claro agora que acabaram sendo conduzidos recursos para
mulheres sem grande potencial eleitoral que servissem justamente de
guarda-chuva para as campanhas dos marmanjos", afirma Major Olímpio (SP),
líder do PSL no Senado e presidente da legenda em São Paulo.
Ele é autor do projeto que acaba com o fundo eleitoral.
Hoje, os candidatos recebem recursos desse fundo, do fundo partidário e de
doações de pessoas físicas.
Olímpio diz que a obrigatoriedade da cota gera candidaturas
sem consistência, "simplesmente para preencher um vazio".
"[Para] Cada mulher que você não consegue nos 30%, você
está perdendo candidatura masculina. É comum os partidos falarem 'oh, cara, eu
quero legenda para ser candidato num partido'. 'Então, me arrume mais duas
mulheres'", afirma.
Já o projeto que acaba com a cota de mulheres foi
apresentado pelo senador Angelo Coronel (PSD-BA). Ele justifica que a
participação feminina nas últimas eleições não se mostrou diferente do patamar
histórico.
No ano passado, o número de mulheres registradas pelos
partidos ficou próximo ao mínimo exigido por lei —30,7% dos pedidos de registro
para a disputa aos cargos de deputado estadual e 31,59% para as vagas de
deputado federal.
"Parto do princípio que as mulheres querem ter
igualdade com os homens. Se querem igualdade, não precisa ter cota",
afirma Coronel.
No Congresso, há mulheres que concordam com ele.
"Sou contra qualquer tipo de estipulação de cotas, seja
para questões de raça, de opção sexual, de gênero. Penso que as cotas, antes de
incluir, excluem, são preconceituosas", afirma Selma Arruda (PSL-MT).
"Se não temos mulheres suficientes porque elas não se
interessam ainda, por questão cultural, de entrar na política, não será impondo
cotas que nós vamos conseguir", afirma a parlamentar de Mato Grosso,
estado que elegeu apenas uma senadora —ela— e uma deputada federal.
Atualmente, apenas 12 dos 81 senadores são mulheres, 15%. Na
Câmara, são 77 deputadas e 436 deputados (15%).
O líder do Solidariedade na Casa, deputado Augusto Coutinho
(PE), que comanda uma bancada com duas mulheres e 13 homens, também se diz
contra as cotas. "É mais um desses puxadinhos brasileiros que só criam
problema."
"No mundo ideal a gente não precisaria de cota para
absolutamente nada. Meu sonho é que nós não precisemos de cotas para que as
mulheres tenham espaço na política brasileira", afirma a deputada
Joice Hasselmann (PSL-SP), líder
do governo no Congresso e presidente do PSL Mulher.
Para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é
preciso aprovar um projeto de lei que regulamente a distribuição de recursos do
fundo eleitoral, sem alterar o percentual destinado às mulheres.
"O problema foi aprovar sem o Legislativo. O que
precisamos é ter uma lei que deixe clara a regra da distribuição dos recursos
sem mudar os 30% das mulheres", afirma.
A possibilidade de acabar com a cota foi considerada absurda
por alguns parlamentares de ambos os gêneros, que criticam o fato de se usar as
candidaturas de laranjas como pretexto para retroagir na legislação em vigor.
"O problema é o crime, não o princípio. A reserva de
vagas é um princípio para garantir a paridade da participação feminina nas
eleições", afirma o líder da minoria no Senado, Randolfe Rodrigues
(Rede-AP).
"É uma desculpa de quem nunca admitiu mulher na política para retroceder e fazer o que eles querem, a nossa exclusão do cenário", diz a senadora Eliziane Gama (PPS-MA).
"É uma desculpa de quem nunca admitiu mulher na política para retroceder e fazer o que eles querem, a nossa exclusão do cenário", diz a senadora Eliziane Gama (PPS-MA).
"O que falta é fiscalização, investigação, punição para
quem faz. E não retirar um direito conquistado, que foi muito difícil
conseguir", afirma a líder do PP no Senado, Daniella Ribeiro (PB).
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