Do NEXO
Estes são os 22 erros no currículo Lattes do ministro da Educação
Atualizado pela última vez em 14 de setembro de 2018, o currículo acadêmico do ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, contém ao menos 22 erros em informações registradas na Plataforma Lattes, segundo levantamento feito pelo Nexo.
Constam ali livros atribuídos ao ministro que não são de sua autoria. Há também obras cuja autoria é dada exclusivamente ao ministro, mas que na verdade foram escritas por mais autores, além de livros e artigos duplicados.
São listados ainda livros fora do formato padrão, sem o registro ISBN, internacionalmente reconhecido para publicações. Por fim, há artigos publicados em periódicos que não são científicos, não têm o registro padrão, o ISSN.
O que é a Plataforma Lattes
A Plataforma Lattes é mantida pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), órgão vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.
Segundo a página oficial do CNPq, a disponibilização pública de dados na internet a partir da Plataforma Lattes pretende dar transparência às atividades científicas. A base reúne informações de todos os núcleos e instituições de pesquisa ativas no país.
O preenchimento do Lattes muitas vezes não é intuitivo e pode despertar dúvidas. A plataforma disponibiliza um tutorial com orientações no campo “ajuda”. Também é possível, segundo a Comissão de Integridade na Atividade Científica do CNPq, tirar dúvidas via central de atendimento ou formulário eletrônico disponível na página do conselho.
Por que a precisão é importante
Em 2009, a revista Piauí revelou que Dilma Rousseff, então ministra da Casa Civil e potencial candidata ao Palácio do Planalto, afirmou no seu currículo Lattes que era mestre em economia pela Unicamp, mesmo sem ter concluído o curso. À época, após o fato vir a público, a petista corrigiu a informação. Os erros e imprecisões detectados pelo Nexo no currículo de Vélez Rodríguez não dizem respeito a titulações, mas à sua produção bibliográfica.
Segundo especialistas ouvidos pelo Nexo, a alta incidência de informações incorretas em um currículo é problemática tanto para o autor quanto para as instituições de pesquisa, uma vez que a análise dos dados registrados na Plataforma Lattes é um dos fatores considerados para a definição de políticas públicas em educação, ciência e tecnologia.
A produção bibliográfica (que corresponde ao número de artigos e livros publicados, por exemplo) também conta “pontos” para pedidos de investimentos para pesquisa a agências de fomento, processos seletivos de pós-graduação, concursos para professores universitários.
Qual a trajetória do ministro
Nascido na Colômbia, Vélez Rodríguez fez carreira como professor universitário no Brasil. Na década de 1960, formou-se em filosofia pela Universidade Pontifícia Javeriana, na capital colombiana, Bogotá. No Brasil a partir da década de 1970, fez mestrado na Pontifícia Universidade Católica do Rio e doutorado na Universidade Gama Filho.
Vélez Rodríguez passou por dois programas de pós-graduação de Filosofia mal avaliados e fechados pelo Ministério da Educação no fim da década de 1990. Ele foi organizador do programa de mestrado em "Pensamento Brasileiro", da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG), e professor do programa de mestrado e doutorado em "Pensamento Luso-Brasileiro", da Universidade Gama Filho, no Rio. Ambos foram fechados em 1997.
Em artigo de 2009, atribuiu o fechamento dos programas a uma perseguição da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), responsável pela avaliação de cursos de mestrado e doutorado no país – uma “guilhotina ideológica oficial”, nas palavras do hoje ministro. A Capes está subordinada ao Ministério da Educação.
Ao nomear Vélez Rodríguez ao cargo de ministro, o presidente Jair Bolsonaro elogiou, no Twitter, a produção bibliográfica e a experiência como gestor na área de educação: “Gostaria de comunicar a todos a indicação de Ricardo Velez Rodriguez, Filósofo autor de mais de 30 obras, atualmente Professor Emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, para o cargo de Ministro da Educação”, escreveu Bolsonaro, em novembro de 2018.
Vélez Rodríguez foi catapultado ao ministério por indicação de Olavo de Carvalho, um escritor de extrema direita considerado o “guru” do bolsonarismo e crítico dos círculos universitários. O ministro difunde ideias do escritor, como a alegada existência de um “marxismo cultural” que tenta dominar o Brasil e o mundo. Em janeiro de 2019, ao assumir a pasta, o ministro afirmou que iria “combater com denodo o marxismo cultural” na educação brasileira.
Desde a sua chegada ao cargo, o Ministério da Educação é palco de polêmicas, como o envio de uma carta às escolas pedindo que diretores lessem o slogan de campanha de Bolsonaro e filmassem alunos cantando o hino nacional, motivo pelo qual se tornou alvo de uma investigação do Ministério Público Federal, sob suspeita de improbidade administrativa.
Naturalizado brasileiro, o ministro também deu declarações polêmicas: “O brasileiro viajando é um canibal”, declarou à revista Veja, em fevereiro de 2019, por exemplo. A pasta é palco ainda de conflitos e disputas internas. A permanência de Vélez Rodríguez no cargo é considerada uma incógnita.
Como o levantamento foi feito
Em 12 de fevereiro de 2019, Rafael Mafei Rabelo Queiroz, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, questionou um livro de Ricardo Vélez Rodríguez, no Twitter, em meio à polêmica sobre o fato de outra ministra de Bolsonaro, Damares Alves, mesmo sem diploma, ter dito que era mestre em Educação e Direito da Família: “Ainda sobre currículos acadêmicos na era da pós-verdade: que tal este livro que consta do currículo do Sr Ministro da Educação, organizado em coautoria com Tocqueville (morto em 1859)?”
Em 27 de fevereiro de 2019, o Nexo abordou o caso. Consta no currículo Lattes do ministro um livro intitulado “A Problemática da Democracia em Alexis de Tocqueville e Raymond Aron”. Segundo foi registrado na plataforma, o título foi publicado pelo ministro via Universidade Católica Portuguesa, em 2001, em co-organização com os autores franceses Alexis de Tocqueville (morto em 1859) e Raymond Aron (morto em 1983).
Consultada pelo Nexo, a universidade informou que Vélez Rodríguez não consta como autor no catálogo da editora. Questionada, a assessoria do ministro informou que se tratava de “uma mera falha no preenchimento de dados de um dos vários textos de sua autoria”. “O registro faz referência a um material, preparado pelo professor Vélez Rodríguez, em 2001, para um seminário de doutorado de Ciência Política da Universidade Católica Portuguesa”, dizia a nota.
Materiais preparados para seminários e cursos não podem ser classificados como livros. Segundo a Comissão de Integridade na Atividade Científica do CNPq, livros possuem um registro internacional de identificação, o ISBN (International Standard Book Number), que é um número de 10 a 13 dígitos. Livros e artigos publicados em periódicos científicos correspondem a um dos principais indicadores de produção acadêmica no Brasil.
A partir dessa inconsistência, o Nexo fez um levantamento mais amplo sobre os dados informados pelo ministro na Plataforma Lattes. Descobriu que a produtividade de Vélez Rodríguez como pesquisador contém erros e imprecisões que, na prática, inflam sua produção acadêmica.
O currículo Lattes do ministro da Educação tem 20 páginas, indicando, a princípio, uma prolífica produção intelectual e acadêmica. Na condição de autor, Vélez Rodríguez registrou:
216 artigos publicados em periódicos
57 livros publicados ou organizados
45 capítulos de livros publicados
A produção bibliográfica acadêmica é dividida em diferentes tipos de “produção bibliográfica” para registro na Plataforma Lattes. Segundo a Comissão de Integridade na Atividade Científica do CNPq, livros e capítulos de livros devem ser indexados apenas se tiverem ISBN. Artigos, por sua vez, se referem a artigos científicos publicados em revistas indexadas com ISSN (International Standard Serial Number). A seguir, o Nexo lista as incorreções encontradas. O levantamento considerou como erro o registro de informações inverídicas.
Os 22 erros no Lattes
1 ARON E TOCQUEVILLE Vélez Rodriguez listou como livro “A Problemática da Democracia em Alexis de Tocqueville e Raymond Aron” (Universidade Católica Portuguesa, 2001). Mas não há registro de ISBN deste título. A Universidade Católica Portuguesa nega ter publicado a obra. Afirma também que Vélez Rodriguez não é autor de seu catálogo.
2 COLABORADOR, NÃO AUTOR Vélez Rodriguez listou como livro “Avaliação Crítica da Social-democracia Francesa” (o ministro não cita a editora no Lattes, 1998). Mas não há registro de ISBN desse título. Há, na verdade, um título similar, “Avaliação Crítica da Social-democracia: O Exemplo Francês”, que foi organizado por Ubiratan Borges de Macedo. Nessa obra, Vélez Rodríguez é apenas colaborador.
3 CAPÍTULO PERDIDO Vélez Rodriguez listou o capítulo “O patrimonialismo na obra de Roberto de Campos”, escrito por ele, como parte de um livro intitulado “O patrimonialismo na obra de Roberto de Campos” (Appris, 2017). O livro, porém, não existe. O Nexo localizou um capítulo intitulado “O patrimonialismo na obra de Roberto de Campos” no sumário de outro livro: “O Homem que Pensou o Brasil. Trajetória Intelectual de Roberto Campos” (Appris, 2017), organizado pelo diplomata Paulo Roberto de Almeida, que foi demitido do Itamaraty após criticar Olavo de Carvalho.
4 CLÁSSICO DE OUTRO AUTOR Vélez Rodríguez listou o livro “Dicionário Enciclopédico de Teoria e Sociologia do Direito” (o ministro não cita a editora no Lattes, 1999) como se fosse de sua autoria. Na verdade, o título pertence a André-Jean Arnaud (1936-2015), que é uma referência na área de Sociologia do Direito.
5 OUTRO ORGANIZADOR Vélez Rodriguez listou o livro “Formação e Perspectivas da Social-democracia” (o ministro não cita a editora no Lattes, 1998) como uma obra de sua autoria apenas. A edição da obra, porém, não é dele. Na verdade, o título foi organizado pelo diplomata Carlos Henrique Cardim, docente do Instituto Rio Branco. Vélez é colaborador.
6 COAUTORES ESQUECIDOS Vélez Rodríguez listou o livro “Educação para a Cidadania - Compêndio” (o ministro não cita a editora no Lattes, 1999) como sendo o único autor da obra, o que não é verdade. Publicado pela Editora UEL, o livro foi feito em parceria com Antonio Paim e Leonardo Prota. Não dá crédito aos coautores.
7 COAUTORES ESQUECIDOS Vélez Rodríguez listou o livro “As Grandes Obras da Política em seu Contexto Histórico” (o ministro não cita a editora no Lattes, 1999) como se fosse de sua autoria apenas. Mais uma vez, esqueceu os coautores: publicado pela Editora Expressão e Cultura, o livro é assinado com Antonio Paim e Leonardo Prota.
8 COAUTORES ESQUECIDOS Vélez Rodríguez listou o livro “Bases e Características da Cultura Ocidental” (o ministro não cita a editora no Lattes, 1999) como único autor. Publicado pela Editora Expressão e Cultura, o livro foi feito com os coautores Antonio Paim e Leonardo Prota.
9 COAUTORES ESQUECIDOS Vélez Rodríguez listou o livro “Cidadania: O que Todo Cidadão Precisa Saber” (o ministro não cita a editora no Lattes, 1999) como único autor. Publicado pela Editora Expressão e Cultura, o livro foi feito com os coautores Antonio Paim e Leonardo Prota.
10 COAUTORES ESQUECIDOS Vélez Rodríguez listou o livro “Curso de Humanidades: Filosofia” (o ministro não cita a editora no Lattes, 1998) como único autor. Publicado pela Editora Humanidades, o livro foi feito com os coautores Antonio Paim e Leonardo Prota.
11 COAUTORES IMAGINÁRIOS Vélez Rodríguez listou o texto “The Sociological Dimension of the Drug Traffic in the Favelas of Rio de Janeiro” (a dimensão sociológica do tráfico de drogas no Rio de Janeiro, em tradução livre), no livro “City of God in Several Voices: Brazilian Social Cinema as Action” (Critical, Cultural and Communications Press, 2005), organizado por Else Ribeiro Pires Vieira. No Lattes, o ministro diz que escreveu o artigo com diversos coautores, incluindo o cineasta Walter Salles, o jornalista Arnaldo Jabor e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Jabor assina o prefácio da obra; Salles e Lula assinam capítulos. Eles não assinam juntos nenhum texto com Vélez.
12 DUAS VEZES DITADURA Vélez Rodríguez listou o livro “A Ditadura Republicana segundo o Apostolado Positivista” (Universidade Gama Filho, 1994) duas vezes. Na primeira, atribuiu a publicação à “Universidade Gama Filho”; na segunda, à “Editoria Central da Universidade Gama Filho”. Nos dois registros, consta a mesma data de publicação (1994) e a mesma edição (segunda). A primeira edição saiu pela Editora da Universidade de Brasília, em 1982.
13 DUAS VEZES PROPAGANDA Vélez Rodríguez listou o livro “A Propaganda Republicana” (Universidade Gama Filho, 1994) duas vezes. Na primeira, atribuiu a publicação à “Universidade Gama Filho”; na segunda, à “Editoria Central da Universidade Gama Filho”. Nos dois registros, consta a mesma data de publicação (1994) e a mesma edição (segunda). O registro foi duplicado.
14 DUAS VEZES TRABALHISMO Vélez Rodríguez listou o livro “O Trabalhismo Após 1930” (Universidade Gama Filho, 1994) duas vezes. Na primeira, atribuiu a publicação à “Universidade Gama Filho”; na segunda, à “Editoria Central da Universidade Gama Filho”. Nos dois registros, consta a mesma data de publicação (1994) e a mesma edição (segunda). O registro foi duplicado.
15 REGISTRO IDÊNTICO Vélez Rodríguez listou o artigo “Quem Tem Medo da Filosofia Brasileira?”, publicado na revista Ibérica (2009), de Juiz de Fora (MG). O ministro cadastrou duas vezes o mesmo artigo, um referindo-se ao intervalo das páginas 1-5, outro referindo-se apenas à página 6.
16 REGISTROS IDÊNTICOS Vélez Rodríguez listou o artigo “Otto Morales Benitez y el Liberalismo”, publicado na revista Uis Humanidades (1999), da Universidad Industrial de Santander, na Colômbia. Há dois registros idênticos desse mesmo artigo no currículo do ministro. Ambos correspondem à edição número 2 da revista, com o mesmo intervalo de páginas (76-99).
17 REGISTROS IDÊNTICOS Vélez Rodríguez listou o artigo “Miguel Reale e a História das Idéias”, publicado na revista Presença Filosófica (1996), do Rio de Janeiro. Há dois registros idênticos deste artigo no currículo do ministro; ambos correspondem ao volume número 21 da revista, com o mesmo intervalo de páginas (91-97).
18 MADAME LYNCH Vélez Rodríguez listou o texto “Madame Lynch - Mulher do Mundo e da Guerra”, veiculado na Revista do Exército Brasileiro (2007), como artigo de publicação acadêmica. Fundada em 1839, a revista tem periodicidade irregular e não se enquadra como periódico científico.
19 ETHOS E EXÉRCITO Vélez Rodríguez listou o texto “O Ethos da Violência - Perspectivas para o século XXI”, veiculado na Revista do Exército Brasileiro (2001), como artigo de publicação acadêmica. Fundada em 1839, a revista tem periodicidade irregular e não se enquadra como periódico científico.
20 LEADER DIGITAL Vélez Rodríguez listou o texto “Uma Crítica Atual às Viúvas da Praça Vermelha”, publicado na Revista Leader Digital (2000), de Porto Alegre, como artigo de publicação acadêmica. A publicação não possui ISSN e não é periódico científico.
21 COLÓQUIO Vélez Rodríguez listou o texto “A Crítica ao Positivismo em Sampaio Bruno”, publicado no “Colóquio Antero de Quental Dedicado a Sampaio Bruno” (1995), como artigo de publicação acadêmica. A publicação não possui ISSN e não é periódico científico.
22 CLUBE MILITAR Vélez Rodríguez listou o texto “Aspectos Estruturais da Sociedade Brasileira”, veiculado na Revista do Clube Militar (1989), do Rio de Janeiro, como artigo de publicação acadêmica. Fundada em 1926, a revista tem periodicidade irregular e não se enquadra como periódico científico.
Além desses 22 erros, o currículo Lattes do ministro traz mais imprecisões e inconsistências: um total de 200, conforme o levantamento do Nexo. Ao menos 66 textos têm menos de cinco páginas, o que é incomum para artigos acadêmicos na área de humanidades, que devem ter uma estrutura própria. Segundo a norma 6022:2018 da ABNT, um artigo científico deve conter elementos específicos e obrigatórios, como resumo, introdução, desenvolvimento, considerações finais e referências bibliográficas.
Entre 1992 e 2016, por exemplo, o ministro escreveu 55 textos para a Carta Mensal, revista do conselho técnico da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), que é uma associação sindical patronal. Embora possua ISSN, a Carta se aproxima mais de um boletim informativo do que um periódico científico. Não há informações, por exemplo, sobre diretrizes aos autores interessados em submeter artigos à revista.
Quem atualiza. E as responsabilidades
A atualização de dados no Lattes só pode ser feita mediante login com CPF ou e-mail, seguidos de uma senha “pessoal e intransferível” do responsável. Os campos são preenchidos um a um, manualmente. É comum, entretanto, que professores peçam para que secretários façam as atualizações.
A cada novo registro no currículo, o usuário declara formalmente que está de acordo com o Termo de Adesão e Compromisso do Sistema de Currículos da Plataforma Lattes – “declaração feita em observância aos artigos 297-299 do Código Penal Brasileiro”, destaca, em negrito, o informe da plataforma.
O artigo 297 do Código Penal se refere a falsificação de documento público (“falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro”), que implica pena de reclusão de 2 a 6 anos e pagamento de multa. O artigo 298 versa sobre falsificação de documento particular, que prevê pena de reclusão de 1 a 5 anos e multa.
O artigo 299 tipifica a falsidade ideológica (“omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”). Entretanto, conforme definiu o Superior Tribunal de Justiça em setembro de 2017, o currículo Lattes não é um documento de validade jurídica para a acusação de falsidade ideológica, pois não possui assinatura digital.
Não é comum a divulgação de denúncias ou casos analisados pelo CNPq. No entanto, foram divulgados cinco casos de fraudes científicas em 2014: um dos pesquisadores foi acusado e punido por “falsa autoria” de artigos incluídos na plataforma Lattes.
O que diz o CNPq
Instituída em 2011, a Comissão de Integridade na Atividade Científica do CNPq avalia denúncias de mau preenchimento de dados no currículo. O Nexo enviou questões à comissão a respeito do preenchimento do currículo acadêmico do ministro. Na segunda (18), os questionamentos foram encaminhados ao Serviço da Presidência e de Apoio aos Órgãos Colegiados, setor do CNPq responsável por secretariar a Comissão, que analisaria as informações em caráter preliminar.
Para Antonio Agenor Briquet de Lemos, professor aposentado da Universidade de Brasília e ex-diretor do IBICT (Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia), órgão do CNPq, o ponto central não é simplesmente a indexação incorreta de informações, mas a ética na pesquisa científica.
A respeito dos artigos, por exemplo, ele lembra que a publicação em um periódico científico pressupõe um processo de avaliação dos artigos por especialistas na área, o sistema de "peer review". Na análise de Briquet de Lemos, que é uma referência na área, publicações elencadas pelo ministro (como Carta Mensal) não são periódicos científicos.
“Grande parte dos problemas encontrados na Plataforma Lattes resulta de que as informações são ali colocadas pelo próprio interessado. Ou, o que acontece com frequência, por sua secretária ou por terceiros. Pelo que percebo, não há mecanismos de controle ou de verificação da veracidade dos fatos (fact checking). Deve-se ler com cautela toda informação que ali apareça sobre empregos e cargos ocupados pela pessoa. Ou seja, como não existe fiscalização e o currículo se baseia em critérios quantitativos, as pessoas acabam abusando e faltando à verdade”, afirmou Briquet de Lemos ao Nexo, referindo-se a um problema enfrentado pela academia de forma mais ampla.
Nos últimos anos foram criados comitês de integridade científica e códigos de conduta em diversas universidades. O Código de Ética da Universidade de São Paulo, por exemplo, especifica que é proibido aos integrantes da universidade “falsear dados sobre suas publicações”, “nas suas publicações, não dar crédito a colaboradores” e “falsear dados sobre sua vida acadêmica pregressa”.
Para Lea Maria Leme Strini Velho, do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp, ainda é preciso aprofundar discussões sobre a ética na ciência. "Deveria haver mais discussões, junto a docentes e alunos, sobre o que é fraude, o que é plágio e qual é a responsabilidade dos cientistas na comunicação dos dados", analisa.
“O Lattes é uma excelente plataforma, mas tem limitações e está em constante aprimoramento. Muitas vezes, há confusão e certos campos não são claros. De todo modo, o usuário toma uma decisão ao escolher o campo para inserir os dados. Alguns casos são de erros ‘preto no branco’; outros, não. Se alguém assume autoria de um livro que não é dele ou dela, é ‘preto no branco’. Desta forma, é preciso diferenciar o que é ‘imprecisão’ e o que é ‘má fé’ na ciência. E há comportamento impróprio no mundo da ciência como em todas as outras esferas da sociedade", pondera.
Na segunda-feira (18), o Nexo encaminhou questões sobre os erros e as inconsistências encontrados no currículo de Vélez Rodríguez à assessoria de imprensa do Ministério da Educação. Até a publicação desta reportagem, no fim da noite de quarta-feira (20), a assessoria não havia respondido às questões.
ESTAVA ERRADO: A versão original deste texto afirmava que o nome de Ricardo Vélez Rodríguez não aparecia no índice do livro "City of God in Several Voices". Na verdade, ele aparece, mas não em coautoria com outros nomes, como afirma em seu Lattes. A informação foi corrigida às 11h18 de 21 de março de 2019.
sexta-feira, 22 de março de 2019
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