A deputada federal Alê Silva (PSL-MG), em entrevista à Folha,
relatou a existência de esquema
de candidaturas de laranjas comandado
por Marcelo Álvaro Antônio em Minas Gerais e afirmou ter recebido a informação
de que o ministro
do Turismo a ameaçou de morte em uma reunião com correligionários, no
fim de março, em Belo Horizonte.
A deputada federal prestou depoimento espontâneo à Polícia
Federal em Brasília, na quarta (10), ocasião em que solicitou proteção
policial.
Eleita com 48 mil votos, Alê Silva é a primeira congressista
a relatar às autoridades a existência do esquema de laranjas do PSL de Minas,
comandado nas eleições pelo atual ministro
de Jair Bolsonaro.
Ela deve prestar novo depoimento nas próximas semanas.
Álvaro Antônio nega ter feito ameaças e diz que a deputada
faz campanha difamatória contra ele em busca de espaço no partido no estado.
Revelado pela Folha no início de fevereiro,
o caso
das laranjas do PSL,
partido do presidente Bolsonaro, é alvo de investigações da Polícia Federal e
do Ministério Público em Minas e em
Pernambuco e levou à queda
do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, que
comandou o partido nacionalmente em 2018.
Uma série
de reportagens desde então mostrou que Álvaro Antônio patrocinou em
Minas um esquema de candidaturas de mulheres que receberam expressivos recursos
públicos do partido, sem sinal de que tenham feito campanha efetiva. Parte
desse dinheiro público foi parar em empresas ligadas a assessores de seu
gabinete na Câmara. Ele exercia o mandato de deputado federal em 2018.
Em entrevista dada à Folha na quinta (11),
ocasião em que chorou várias vezes, Alê Silva afirmou que descobriu o esquema
após a eleição, a partir de relatos de políticos
do PSL de Minas e de pesquisa nos dados da prestação de contas das
candidatas apontadas como sendo de fachada.
Afirmando temer represálias no partido, ela encaminhou o
material e os relatos que tinha à Associação Patriotas em Foco, de sua cidade.
A entidade fez uma representação ao Ministério Público dias antes da publicação
da primeira reportagem sobre o caso.
“Prometi na vida pública combater a corrupção e jamais iria
me calar diante do surgimento de um foco de corrupção tão perto de mim.
Senti-me na obrigação de levar os fatos ao conhecimento do Ministério Público.
No início me mantive em silêncio por receio da reação dos envolvidos. Agora
vieram sérias ameaças, que se concretizaram através de interlocutores do
ministro”, afirma.
Alê Silva mora em Coronel Fabriciano, no Vale do Aço, região
que concentra a maior parte das candidatas
laranjas do PSL de Minas.
“Duas laranjas, Debora Gomes e Milla Fernandes, são da minha
região. Eu andei palmo a palmo todo o Vale do Aço e nunca ouvi falar delas
durante o período de campanha. [...] Tudo o que eu pesquisei e o que foi
relatado pelas laranjas que acusaram o ministro tem extrema consistência”,
afirma a deputada federal.
“Não acredito em envolvimento do Bolsonaro em tudo isso.
Acredito que ele foi tão vítima como eu. Foi e está sendo tão vítima como eu
por ter acreditado na pessoa errada”, diz a parlamentar.
Até o momento, quatro candidatas do PSL de Minas afirmaram
aos investigadores terem sido usadas ou recebido propostas para serem
laranjas do partido comandado na época por Álvaro Antônio. Outras
quatro são investigadas sob suspeita de participação (incluindo Debora Gomes,
que nega ter sido laranja, e Milla Fernandes, que não quis se manifestar).
A Polícia Federal, que deve tomar novos depoimentos, vê
elementos de participação de Álvaro Antônio na fraude.
Uma das denunciantes já ouvidas, Cleuzenir Barbosa,
que foi candidata a deputada estadual, diz que em certa ocasião se sentiu
ameaçada em reunião com um assessor de Álvaro Antônio, que teria colocado uma
arma sobre a mesa durante a conversa.
Bolsonaro diz que decidirá
sobre a permanência ou não do ministro somente após o fim da apuração
da polícia.
Alê Silva diz que pediu proteção à PF por temer por sua vida
e a de familiares. “É pesado [o relato que teria recebido]. Acredito que foi
uma ameaça contra minha vida e a vida da minha família. De que minha vida correria
risco, se eu levasse adiante isso. Sabia que iria correr esse risco, estou
pagando o preço, mas não ia aceitar ficar submissa às ordens de pessoas que
agem de forma que eu condeno, desviando recursos públicos.”
Segundo a deputada, ela ouviu o relato da ameaça de morte no
dia 1º de abril, uma segunda-feira, em seu escritório político de Ipatinga,
também no Vale do Aço.
Nesse dia, um político do PSL de Minas que teria se reunido
com Álvaro
Antôniono final de semana em Belo Horizonte (ela diz ter repassado o nome
do político à Polícia Federal) foi de carro da capital mineira a Ipatinga (216
km) para lhe relatar o que havia ocorrido pessoalmente —evitando assim falar
por telefone.
“Ele disse para eu parar, esquecer esse assunto, não levar
isso adiante porque senão a minha vida e a da minha família correria risco”,
diz Alê Silva, segundo quem o político reproduziu frase que teria sido dita por
Álvaro Antônio: “Essa pessoa me disse que ele falou assim: ‘Eu vou parar a
minha vida para acabar com a vida dela’”.
Segundo ela, o delegado da PF que colheu seu depoimento
afirmou que enviará o relato à corregedoria do órgão para análise do pedido,
mas que era para ela ligar imediatamente caso notasse qualquer movimentação
ameaçadora ou suspeita ao seu redor.
O depoimento será enviado também para a PF de Minas, que
comanda o inquérito sobre o caso, para que a deputada seja ouvida novamente.
Alê Silva afirmou ainda que Álvaro Antônio prometeu
retaliação em outra reunião, dessa vez no ministério, em Brasília, com outros
deputados federais do PSL de Minas.
Segundo relato que disse ter ouvido de um desses colegas,
Álvaro Antônio afirmou ter “rasgado” as indicações que ela fez para a
composição de comissões estaduais do partido em cidades de Minas em que ela foi
a mais votada. E que iria divulgar gravações que supostamente a comprometeriam.
A deputada diz que já discutiu asperamente com o ministro, por telefone, mas
que nunca se envolveu em irregularidades.
A reportagem da Folha perguntou o nome dos
políticos que teriam participado dessa reunião e da pessoa que a procurou em
Ipatinga, mas ela se limitou a dizer que repassou essas informações à PF.
Eleita
na onda bolsonarista,
Alê Silva, advogada de formação, está em seu primeiro mandato público e chegou
a trabalhar em uma campanha de Robertinho Soares, ex-assessor e coordenador da
campanha de Álvaro Antônio no Vale do Aço. Mas afirma ter se afastado dele após
receber relatos desabonadores a seu respeito.
OUTRO LADO
Em resposta enviada por sua assessoria, o ministro Marcelo
Álvaro Antônio afirma que posturas agressivas ou ameaçadoras não guardam
relação com sua história de vida e que a deputada federal Alê Silva move uma
campanha difamatória contra ele motivada por disputa de poder pelo comando de
diretórios municipais do PSL em Minas.
“É importante destacar para aqueles que não me conhecem que
essa postura agressiva e ameaçadora não tem nenhuma correspondência com a minha
história de vida. Mais uma vez, atribuem a mim comportamentos e atitudes que
distorcem completamente da minha pessoa”, afirma.
O ministro do Turismo disse mais uma vez aguardar com
serenidade a conclusão
das investigações dos órgãos públicos e voltou a afirmar que a Folha adota
uma conduta político-partidária no caso.
“Fica cada vez mais evidente o envolvimento da Folha de
S.Paulo em um lado de uma disputa político-partidária, de caráter local, numa
espécie de vale-tudo para tentar atingir a minha honra”, afirmou, acrescentando
que o jornal produz reportagens baseadas em ilações e em “ouvi dizer”.
“É lamentável ainda que a senhora Alessandra Silva, deputada
eleita pelo PSL de Minas, insista em sua campanha difamatória motivada por uma
frustração pessoal”, prossegue o ministro.
Segundo ele, a deputada se sentiu prejudicada com a sua ida
para o Ministério do Turismo, o que levou o suplente Enéias Reis, “que foi mais
votado do que ela em algumas cidades”, a assumir sua vaga.
“Esse fato garante ao agora deputado Enéias Reis a
prerrogativa de indicar a comissão do PSL nesses municípios, inclusive na terra
natal dela, Coronel Fabriciano, e tira da deputada esse poder”, disse o
ministro, acrescentando: “É incompreensível que uma briga partidária municipal
fique ganhando espaço na mídia nacional e, o pior, criando factoides e dando
desnecessário trabalho a instituições sérias, ocupadas e comprometidas, como é
a Polícia Federal, o Ministério Público e a Justiça. Como disse, reafirmo:
aguardo com serenidade a conclusão das investigações.”
O ministro vem negando a existência de esquema de
candidaturas de laranjas em Minas e a sua participação em irregularidades. “Vou
provar que nunca promovi ou orientei ninguém a fazer qualquer situação desta
natureza”, afirmou na semana passada.
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