quarta-feira, 3 de abril de 2019

LULA LIVRE, EM CASA

Elio Gaspari, Folha de S.Paulo

No próximo domingo (7) Lula completará um ano de prisão, fechado numa cela de 15 metros quadrados na carceragem da Polícia Federal de Curitiba. Sua situação é inédita na história do Brasil e essa circunstância sobrepõe-se aos aspectos jurídicos, porque a decisão dos magistrados um dia será uma nota de pé de página na narrativa de um fato maior. Em 1889 decidiu-se banir a família imperial. Vá lá, mas fazia sentido negar sepultura no Brasil a d. Pedro 2º durante décadas?

Para quem vive com a cabeça quente, Lula deve “apodrecer na cadeia”, como disse Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral. Quando as cabeças esfriam, as coisas voltam para seu lugar.

Três precedentes mostram que seria melhor permitir, em algum momento, a transferência de Lula para o regime de prisão domiciliar. Nele só poderia receber um número fixo de visitantes. (Em 2017, quando Marcelo Odebrecht passou a cumprir a pena em casa, tinha direito a 15 visitantes previamente listados.)

Jefferson Davis, o incendiário presidente dos estados confederados do Sul dos Estados Unidos, foi preso em 1865 e libertado dois anos depois. A Guerra Civil americana custou ao país quatro anos de combates e algo como 700 mil mortos (2% da população).

As condições carcerárias de Lula são dignas, mas assemelham-se àquelas que a República Francesa impôs ao marechal Philippe Pétain em 1945. Ele presidira o regime ditatorial e racista de Vichy, colaborando sinceramente com a ocupação nazista. Nonagenário e doente, teve a pena comutada em 1951 e logo depois morreu, em casa. Lula não foi um Pétain.

Os Estados Unidos e a França têm um tipo de história. A China tem outro. Mao Tse-tung prendeu o presidente Liu Shaoqi em 1967. Ele viveu em condições deploráveis até 1969, quando morreu. Ao contrário do que aconteceu com Pétain e Davis, Liu foi reabilitado. Sua filha formou-se na Universidade Harvard e geriu investimentos da família Rockefeller.

Lula encarcerado não faz bem à história do país, como não faz bem a lembrança de que João Goulart morreu na Argentina depois de 12 anosde desterro.

Desde que Bolsonaro assumiu a Presidência, nenhuma trapalhada foi produzida pelo PT. Tendo perdido o monopólio das encrencas, o comissariado vive em relativa paz. Noves fora alguns arroubos de Gleisi Hoffmann, a presidente do partido, prevalecem vozes mais equilibradas. Prometendo o fim da ideologia de gênero e escolas sem partido, o Ministério da Educação vive uma guerra de facções, sem ensino algum.

Combatendo uma diplomacia militante, o chanceler Araújo meteu-se numa pregação inútil em torno do que seria uma essência esquerdista do nazismo.

Se Lula for transferido para um regime de prisão domiciliar a questão legal continua quase do mesmo tamanho. Afinal, estão nele Marcelo Odebrecht (que colaborou com as investigações) e o comissário Antonio Palocci (que colaborou com a campanha eleitoral).

A transferência de Lula para o regime domiciliar, aventada em junho do ano passado pelo advogado Sepúlveda Pertence, foi rebarbada pelo PT. Supunha-se que “Nosso Guia” pudesse ser favorecido pela eleição de um presidente-companheiro ou pelo clamor da rua. Nenhuma das duas coisas aconteceu.

Para a turma de cabeça quente que defendia a transferência da embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém, o gambito de Bolsonaro oferecendo um escritório comercial foi um gesto hábil. Lula em casa seria um gesto de pacificação histórica. Afinal, no ano passado 45% dos eleitores, não podendo votar nele, votaram no seu candidato.

*Elio Gaspari, jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralada”.
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