quinta-feira, 4 de abril de 2019

VOTAR OU NÃO VOTAR

Merval Pereira, O GLOBO

Mais do que uma solenidade autoelogiativa, o que aconteceu ontem no Supremo Tribunal Federal (STF) foi uma demonstração do estado de ânimo que domina seus membros, e também os políticos, diante da divisão do plenário que joga a opinião pública ora para um lado, ora para o outro, sempre com críticas agressivas, quando não criminosas.

Acontece também com os políticos, especialmente aqueles que têm cargo de liderança nas duas Casas do Congresso. O ambiente no Congresso é tão ebuliente que a promessa dos bolsonaristas de apresentar uma proposta de emenda constitucional (PEC) revogando a que aumentou para 75 anos a idade compulsória dos ministros pode provocar a reação de ampliá-la para 80 anos.

Isso porque a redução da idade permitiria ao presidente Bolsonaro nomear quatro ministros imediatamente. Como está, ele escolherá no final do próximo ano substitutos para os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio Mello. Ao contrário, a ampliação da idade para 80 anos impediria que nomeasse ministros durante sua gestão.

A continuar esse ambiente de confrontação, é provável que as sabatinas dos futuros ministros no Senado sejam mais rigorosas do que o costume, e aumenta a chance de um indicado pelo Palácio do Planalto ser rejeitado. Tudo para evitar que o plenário do Supremo seja formado majoritariamente por ministros que criminalizem a política, como veem a ação do presidente Bolsonaro.

O caso acontecido na semana passada na Sala São Paulo, durante um concerto da Orquestra Sinfônica do Estado (Osesp), é exemplar dessa radicalização. Um homem parou a música aos gritos, criticando o Supremo, nomeadamente os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Os relatos são de que o presidente do Supremo está abalado com os ataques.

Seria por isso que ele tende a adiar o julgamento do mérito da legalidade da prisão em segunda instância, marcado para o dia 10. O pedido foi feito pelo novo presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, que admitiu ontem que não há clima para julgar processo tão delicado, que provoca ações de milícias digitais de ambos os lados, pois atinge não só um número ainda não calculado de presos, que seriam soltos, mas, especialmente, Lula. E fragiliza a Operação Lava-Jato.

O estranho é que o adiamento prejudica Lula, e o presidente da OAB sempre foi um crítico da Operação Lava-Jato e defensor da liberdade do ex-presidente. À primeira vista, houve a interpretação de que o grupo favorável ao ex-presidente estaria temendo perder a votação, que da última vez registrou o placar de 6 a 5 pela prisão em segunda instância.

Não era o que estava previsto, pois o ministro Gilmar Mendes mudou de posição publicamente, reduzindo a 5 os votos favoráveis à legalidade da medida, dando, portanto, maioria ao lado contrário.

Há, no entanto, dúvidas sobre a posição dos ministros Alexandre de Moraes e Rosa Weber. Moraes vota no lugar do falecido ministro Teori Zavascki, que era a favor da medida, e já se pronunciou, inclusive em um voto na sua Turma, também favorável. Mas estaria em dúvida. A situação mais delicada é a da ministra Rosa Weber.

Tendo votado contra a prisão em segunda instância, a ministra tem tido uma atuação impecável. Mesmo contrariando seu pensamento, ela vem votando de acordo com a posição da maioria. Considerou no ano passado que não havia razão para voltar ao assunto tão cedo, mas neste momento ninguém sabe como agirá.

Se votar a favor, o resultado continuaria sendo 6 a 5 pela prisão em segunda instância, mantendo a divisão do plenário, que reflete a do país. O resultado, porém, pode ser de 7 a 4 se tanto Rosa Weber quanto Moraes votarem contra prisão em segunda instância. A tendência, apesar das dúvidas, é que o plenário do STF mude a jurisprudência, favorecendo quem já está preso e impedindo que outros vão para a cadeia.

Tudo indica que o pedido de adiamento foi feito porque o STF está com receio de que ganhe a posição contrária à prisão em segunda instância, o que levaria Lula a ser solto. Os ministros que defendem essa posição estariam temerosos de provocar manifestações políticas contra o Supremo, agravando ainda mais a situação.

Quer dizer, o receio existe, de ganhar ou de perder. O que é ruim para a independência do Supremo e para a democracia.
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