Não foi um fracasso total. Diferentemente de quando o
presidente Fernando Collor conclamou a população em 1992, muita gente de verde
e amarelo aproveitou o domingo de sol e foi à rua defender o governo de Jair
Bolsonaro. O problema foi a comparação. Os protestos de 15 de maio, contra
cortes de verba na educação, ganharam em volume de manifestantes, em duração e
amplitude pelo país: 222 cidades dia 15 contra 156 neste domingo, segundo o G1.
De quebra, os protestos da oposição ocorreram em dia de trabalho e, no caso de
São Paulo, sob chuva.
Como resultado, pela primeira vez deu para ver a olho nu o
resultado das pesquisas de opinião: há mais brasileiros achando o governo
Bolsonaro ruim ou péssimo do que bom ou ótimo.
Quais as implicações práticas disso? São pelo menos cinco.
1º) A chantagem do Executivo contra o Congresso tem menos
chance de dar certo. Os parlamentares puderam constatar, em cada unidade da
federação, onde Bolsonaro tem pouco, muito ou nenhum poder de pressão contra
eles. Na maioria dos casos, nada amedrontador. Ao patrocinar as manifestações –
mesmo dizendo o contrário –, Bolsonaro abriu o jogo e mostrou suas cartas: dois
pares. Se em vez de pôquer a metáfora fosse com o truco, poderia ser dito que
ele correu o risco de ver o adversário gritar “seis” e pregar-lhe o zap na
testa. Só não aconteceu porque a oposição não joga junta.
2º) Bolsonaro mostrou que não é Dilma nem Collor. Tem apoio
de uma parcela nada desprezível da população, consegue mobilizá-la quando
precisa e pode fazê-lo se a oposição insistir em falar de impeachment. Ele pode
até perder a briga, mas vai brigar na rua.
3º) Rodrigo Maia foi o principal alvo individual das
manifestações de domingo, como já vinha sendo nos grupos de WhatsApp
bolsonaristas. Se tinha alguma dúvida, o presidente da Câmara agora sabe com
certeza que o governo quer vê-lo no espeto. Não pode confiar em Bolsonaro para
fazer acordos. Logo, Maia chega esta semana a Brasília sabendo que o único
caminho que lhe resta é redobrar a aposta em tomar do governo o protagonismo na
agenda legislativa. Como fazer isso é que são elas. O impasse entre os poderes
segue sem um favorito óbvio.
4º) Se trabalhar bem, o governo tem chance de pegar o embalo
da aprovação da Medida Provisória da reforma administrativa, das manifestações
de apoio e experimentar talvez pela primeira vez duas semanas de noticiário
positivo (ou menos negativo). Até agora há pouca mobilização nas redes em torno
dos protestos contra Bolsonaro marcados para o dia 30. O MEC agiu para
esvaziá-los anunciando mais recursos para a educação. Se a manifestação de
quinta-feira fracassar, o governo pode respirar.
5º) A polarização política continua forte e saiu das redes
para as ruas. Não dá sinal de retroceder. Eleitoralmente, candidatos com
discurso radicalizado, contra e a favor do governo e de Bolsonaro, tendem a
levar vantagem sobre os moderados. Isso pode mudar até 2020 ou 2022? Pode, mas
nada indica que vá, por ora.
O resumo do dia 26 é que o governo apostou alto, perdeu na
comparação, mas não de goleada, e mostrou que tem militância. A resultante da
equação é que o jogo político continua indefinido. Nem Bolsonaro exibiu força
para fazer o que Jânio Quadros tentou em 1961 e não conseguiu – um golpe contra
o Congresso – nem o governo sofreu desgaste suficiente para Rodrigo Maia e o
Centrão impingirem o parlamentarismo – de fato ou de direito –, como João
Goulart teve que engolir para conseguir suceder Jânio na Presidência. Não foi
desta vez que 2019 virou 1961.
PS: As análises simplórias sobre o comportamento das mídias
sociais, baseadas exclusivamente em citações de palavras-chave, mostraram-se
inúteis para prever o tamanho das manifestações. Segundo essas previsões, o dia
26 deveria ter sido algumas vezes maior do que foi o dia 15. A realidade se
mostrou diferente porque há muitos robôs e contas falsas fazendo volume de
tráfego e trolagem para emplacar hashtags nos trending
topics mas nem tantos militantes de carne e osso assim. Modelos que
misturam análise de sentimento em relação ao presidente (se positivo ou negativo)
conseguiram antecipar melhor o que aconteceu de fato.
Editor-executivo da piauí (site), foi
repórter e colunista de política na Folha e no Estado
de S. Paulo e presidente da Abraji
Nenhum comentário:
Postar um comentário