Como Ricardo Salles tem desmontado a agenda verde em
favor do agronegócio
No começo de abril, fiscais do Ibama entraram na Floresta
Nacional do Jamari, em Rondônia, para pôr um fim momentâneo na exploração
ilegal de madeira empreendida por um grupo de produtores da região. Feito o
flagrante, constatada a necessidade de evitar a retirada de outras toras da
floresta e diante das dificuldades inerentes a uma mata de difícil acesso, os
agentes fizeram aquilo que a lei determina: atearam fogo a dois caminhões e a
um trator usados no crime ambiental. Assim é feito há quase 11 anos, desde
julho de 2008, quando entrou em vigor um decreto presidencial que ampara a
prática de destruir bens usados em crimes ambientais.
A ação dos fiscais provocou uma reação em cascata.
Produtores da região passaram a trocar mensagens indignadas. “Parece que teve
uns caminhões queimados em Cujubim, e o secretário aqui de Rondônia, o Elias,
entrou em contato com o ministro do Meio Ambiente”, disse um deles, celebrando
o respaldo ministerial franqueado pelo governo de Jair Bolsonaro. Cujubim está
a pouco mais de 200 quilômetros de Porto Velho. A floresta se localiza entre as
duas cidades. “Vamos prejudicar os caras que queimaram esses caminhões. Não
vamos deixar esse trem barato, não”, respondeu um segundo produtor. “Acho que
vai dar problema pra eles. O que a gente puder fazer para prejudicar esse povo,
a gente vai fazer. Tá na hora. Chega.”
Elias Rezende, secretário de Desenvolvimento Ambiental de
Rondônia, queixou-se ao governador, Coronel Marcos Rocha, do PSL, o mesmo
partido do presidente. Rocha ligou para o ministro do Meio Ambiente, Ricardo
Salles. Na conversa, disse que a destruição de equipamentos usados em crimes
ambientais causava revolta e não deveria ser feita. O governador ouviu de
Salles que a situação mudaria em breve. “O ministro se comprometeu a apresentar
uma minuta para alterar esse decreto”, disse Rezende. O próprio presidente
Bolsonaro gravou um vídeo em que desautorizava a ação do Ibama — e que
viralizou nas redes sociais.
A ideia de que agora é possível “prejudicar esses caras”, ou
seja, os agentes de fiscalização ambiental, e a promessa feita no dia seguinte
por Salles, de viabilizar o afrouxamento desse trabalho, mimetizam o que foram
até aqui os quatro meses do advogado de 43 anos no posto de ministro do Meio
Ambiente. No fim do ano passado, a pasta quase foi extinta pelo presidente. A
ideia de Bolsonaro era transformá-la em uma secretaria ligada ao Ministério da
Agricultura. Contudo, a ministra Tereza Cristina e a bancada ruralista foram
contra: avaliaram que a mudança traria dores de cabeça e cobranças extras para
a pasta do agronegócio. Indicaram, então, que ela fosse comandada por Salles,
que chefiara a Secretaria de Meio Ambiente do governo de Geraldo Alckmin, em
São Paulo, em 2016 e 2017. Bolsonaro acatou a indicação. No cargo, Salles tem
colocado em prática um plano de desmonte de políticas ambientais cujo norte é
claro: adequar o meio ambiente aos interesses do agronegócio, de setores da
indústria e outros interesses privados.
Tal convicção é tão patente no governo que Jair Bolsonaro
não demonstrou constrangimento quando, ao discursar no Fórum Econômico Mundial,
em Davos, na Suíça, em janeiro, afirmou que sua gestão teria como premissa a
aliança entre os dois setores, chamados pelo presidente de “indissociáveis”. Para
justificar sua fala, o presidente recorreu a um sofisma que induz à ideia de
que o Brasil avançou demasiado na preservação ambiental, deixando o
agronegócio, que traz muito mais recursos ao Produto Interno Bruto (PIB) do que
florestas, comendo poeira na estrada. Disse ele: “Somos o país que mais
preserva o meio ambiente. Nenhum outro país do mundo tem tantas florestas como
nós. A agricultura se faz presente em apenas 9% do nosso território e cresce
graças a sua tecnologia e à competência do produtor rural. Menos de 20% de
nosso solo é dedicado à pecuária. Essas commodities, em grande parte, garantem
superávit em nossa balança comercial e alimentam boa parte do mundo”.
A fala do presidente resume o que pensa a bancada ruralista
e a função do ministro Salles em seu governo. Mais que um funcionário de alto
escalão do Executivo, Salles é a personificação de um conjunto de ideias que
encontrou solo fértil em setores conservadores no Brasil e no mundo — e que vai
além do mero pragmatismo econômico. São grupos que, em alguns casos, mostram-se
céticos sobre os efeitos das mudanças climáticas (alguns acreditam que o
aquecimento global é um fenômeno natural que ocorre de tempos em tempos na
atmosfera, sem qualquer relação com o impacto humano), defendem o afrouxamento
do Código Florestal e são entusiastas da tese de que povos indígenas são
beneficiados por políticas de demarcação, muitas vezes à custa de prejuízos aos
agricultores. A ideia que norteia esses grupos é que a preservação ambiental
criou um ambiente de injustiça contra proprietários de terra.
Os efeitos da nova agenda podem ser percebidos na
administração federal. Documentos obtidos por ÉPOCA mostram um afrouxamento de
regras para o descarte de resíduos decorrentes da perfuração de poços de
petróleo, contrariando recomendações dos próprios técnicos do governo. Ofícios
também apontam gestos no sentido de flexibilizar licenciamentos ambientais.
Atos tornaram o controle de agrotóxicos menos efetivo. Discussões sobre
pagamentos de serviços ambientais e sobre o Cadastro Ambiental Rural (CAR)
foram paralisadas. O sistema de punição e aplicação de multas foi afrouxado. E
áreas centrais do ministério seguem acéfalas. Pela visão dos críticos, a gestão
ideológica no Ministério do Meio Ambiente produz efeitos imediatos. Além disso,
ataques virtuais vindos do presidente e do ministro a fiscais a serviço do
Ibama e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio),
órgão que cuida das Unidades de Conservação federais, têm estimulado produtores
a resistir a qualquer tipo de controle.
No início dos anos 2000, Salles era um jovem advogado que
integrava o solitário grupo de paulistanos que organizavam eventos para
levantar a bandeira do livre mercado, da defesa da propriedade privada e do
Estado mínimo, reunidos em torno do movimento Endireita Brasil. O país vivia o
auge do lulismo, que perduraria até a segunda eleição de Dilma Rousseff (PT), e
não havia grande espaço para a direita no espectro político. O grupo, no
entanto, não abandonou a causa. E escolheu o jovem advogado como representante
para tentar uma vaga no Legislativo. Salles tentou ser vereador, deputado
estadual e federal por São Paulo. Fracassou em todas tentativas. As críticas ao
PT o levaram a se aproximar do governador Geraldo Alckmin (PSDB), de quem virou
secretário particular e depois secretário de Meio Ambiente. Durante esse
período, colecionou inimizades ao criticar publicamente o que via nos
bastidores do Palácio dos Bandeirantes: a força da aliança “de políticos
picaretas que se ajudam, se conhecem e se acobertam”, independentemente da
filiação partidária.
Filho de um casal de advogados paulistanos, Salles não tem
como origem o campo. Aproximou-se de lideranças da Sociedade Rural Brasileira e
da União Democrática Ruralista (UDR) graças ao Endireita Brasil. Em 2018,
candidatou-se pelo Novo a uma vaga na Câmara dos Deputados, defendendo medidas
como a mudança da sede da capital do país de Brasília para São Paulo, o fim das
visitas íntimas em presídios e o uso de munição de fuzil contra a esquerda e o
MST. Fiou a candidatura à Presidência de João Amoedo (Novo) e por isso teve de
avisar ao antigo chefe, Alckmin, também candidato ao Planalto, que seria fiel à
nova legenda e infiel ao tucano. Percebeu no meio da campanha que a candidatura
Amoedo naufragaria e aderiu discretamente a Bolsonaro, depois de participar de
um encontro dele com militares e empresários, em São Paulo.
Ao chegar a Brasília, o ministro trocou quase todos os
superintendentes do Ibama nos estados. Cercou-se de militares. Dos nove
assessores em seu gabinete, cinco vêm do Exército, assim como o chefe de
gabinete, o ouvidor do órgão e o assessor de imprensa. Sob sua gestão, a
diretoria do ICMBio também foi militarizada — e uma ação na Justiça contesta a
nomeação de um coronel, um major e um tenente-coronel da PM de São Paulo na
diretoria do órgão.
Há convergência de ideias entre o ministro e setores das
Forças Armadas, em especial na questão das reservas indígenas. Por serem alguns
dos poucos grupos a ter permissão legal para circular em regiões preservadas,
militares dizem ver de perto a pobreza das regiões e defendem que haja
políticas de desenvolvimento em áreas preservadas — ideia criticada por
ambientalistas.
Entre os técnicos, é dado como certo que Salles proporá a
alteração do decreto que permite a destruição de bens flagrados em crimes
ambientais. É um pleito antigo de políticos da bancada ruralista. “Em Rondônia,
a orientação é para que não ocorra a destruição. O governador conversou com o
ministro e pediu para que ele repita o que ocorre aqui. O posicionamento do
ministro é que o decreto seja reformulado. E isso não significa um incentivo ao
desmatamento, mas ao amplo contraditório”, disse o secretário de
Desenvolvimento Ambiental de Rondônia.
Salles também prepara a flexibilização dos licenciamentos
ambientais, que prevê até a dispensa deles para determinados setores. Indicado
pelo ministro para presidir o Ibama, Eduardo Bim assinou uma instrução
normativa há menos de um mês estabele cendo os procedimentos para a delegação de
licenças da União para estados e municípios. Uma semana depois, o Ibama delegou
ao governo da Paraíba as atribuições de licenciamento para as atividades
econômicas de uma grande empresa no estado.
Nos últimos dias de abril, Bim enviou um ofício ao Ministério
da Economia dizendo ter interesse em seis servidores que trabalhavam na Valec
em Tocantins, a estatal responsável por construir ferrovias. Ele não viu
impedimento no fato de os funcionários terem atuado no outro lado do balcão.
Pelo contrário: o presidente do Ibama pediu que os servidores trabalhem no
órgão especificamente no “licenciamento ambiental de grandes obras de
infraestrutura”.
Salles também nomeou para a chefia da assessoria de relações
interministeriais do Meio Ambiente o criador das peças gráficas de sua própria
campanha, de acordo com os registros do TSE. Trata-se do linguista,
publicitário e criador de memes paulista David Boutsiavaras, que atende por
diferentes pseudônimos no ringue virtual pró-Bolsonaro. Na terça-feira 7, ÉPOCA
perguntou a Boutsiavaras que atividades executa no ministério e como sua
experiência na internet poderia ser útil ao novo trabalho. Ele preferiu não se
manifestar.
Passados mais de quatro meses na cadeira de ministro do Meio
Ambiente, Salles ainda não conseguiu preencher os cargos mais importantes do
ministério. Permaneciam vagos até o último dia 7, por exemplo, a Secretaria de
Florestas e Biodiversidade, a Coordenação de Concessão de Florestas, a
Coordenação de Políticas de Desenvolvimento Sustentável, a Coordenação de
Repartição de Benefícios e o Departamento de Conservação.
Esvaziar áreas que não considerava prioritárias era uma
estratégia na época em que era titular da pasta de Meio Ambiente de São Paulo.
Centralizador, o então secretário causou polêmica ao cancelar pagamentos de
contratos já assinados, medida semelhante à que tentou adotar ao deparar-se com
o custo de aluguel de veículos no Ibama. Depois de anunciar o cancelamento do
contrato com estardalhaço e retuíte do presidente, voltou atrás ao ser alertado
sobre a necessidade de manutenção do aluguel. Bolsonaro teve de apagar a
postagem.
No ministério, Salles esvaziou o desenho de políticas públicas
voltadas para os efeitos das mudanças climáticas e quase zerou o orçamento para
a área. Acabou com a Secretaria de Mudanças do Clima e Florestas, ainda nos
primeiros dias de janeiro. Depois, alocou integrantes da extinta secretaria —
os que permaneceram no ministério — numa assessoria especial. Até agora, a
única posição do ministro a favor dessas políticas foi a defesa de que o Brasil
continue fazendo parte do Acordo de Paris, um compromisso de 195 países para a
redução da emissão de gases de efeito estufa. No fim do ano, por decisão de
Bolsonaro, o país desistira de sediar a Conferência do Clima da ONU.
O impacto internacional das novas políticas faz técnicos do
governo prever dificuldades para que o Brasil acesse dinheiro do Fundo do
Clima, que recebe aportes de diversos países. O mesmo temor existe em relação a
recuos de investidores do Fundo da Amazônia. A Noruega, por exemplo, já aportou
US$ 1,2 bilhão ao fundo. Ambos são operacionalizados pelo BNDES.
No fim de abril, mais de 600 pesquisadores e integrantes da
comunidade científica internacional pediram à União Europeia que condicione
parcerias com o Brasil a novas garantias de proteção ambiental. O manifesto foi
publicado na revista Science e leva em conta o reconhecimento,
pela comunidade internacional, do Brasil como o país mais biodiverso do mundo.
O ministro do Meio Ambiente não se opôs à transferência do
Serviço Florestal Brasileiro (SFB) de seu ministério para o Ministério da
Agricultura. Nem à nomeação do principal opositor do Código Florestal, o
ex-deputado e ex-líder da bancada ruralista Valdir Colatto, como diretor-geral
do SFB. É ele quem cuida agora, por exemplo, das concessões de florestas.
Trata-se de decidir que empresas e comunidades receberão do governo o direito
de manejar florestas públicas para extrair madeira, produtos não madeireiros e
oferecer serviços de turismo. Em contrapartida ao uso sustentável, os
concessionários pagam ao governo quantias que variam conforme o valor de
licitação das áreas.
Salles vem seguindo à risca a orientação de Bolsonaro — ele
próprio multado e desmultado pelo Ibama por pesca ilegal — para derrubar o que
entende por “indústria da multa” ambiental. Um decreto estabeleceu uma nova
fase processual, com possibilidades amplas de conciliação e conversão da multa
em serviços ambientais.
Procuradores da República avaliam se as mudanças são legais.
“Quando se adota discurso muito crítico em relação aos órgãos de fiscalização,
fragilizam-se esses órgãos. Crimes ambientais, muitas vezes, envolvem grande
movimentação de recursos, lavagem de dinheiro, falsificação tributária”, afirma
o procurador da República Daniel Azeredo, com atuação na Câmara de Meio
Ambiente da Procuradoria-Geral da República (PGR). Ele diz que o ministro do
Meio Ambiente pode ser alvo de ação em caso de aumento do desmatamento na
Amazônia. “Se o desmatamento subir, não há dúvida de que a culpa é do
ministro.”
Na ponta do sistema, fiscais do Ibama passaram a ter de
requerer reforço policial para conseguir entrar em áreas com suspeita de crime
ambiental, especialmente na Amazônia. Outros têm recebido mensagens ameaçadoras.
“Bolsonaro venceu prometendo acabar com a fiscalização, e o Ibama não é
bem-vindo”, dizem produtores nessas mensagens. A cúpula do órgão já foi
alertada sobre o acirramento dos ânimos.
O primeiro dado oficial de desmatamento da Amazônia sob Bolsonaro
deverá ser divulgado só no segundo semestre. O monitoramento atual mostra um
aumento do desmatamento desde 2012. O instituto de pesquisa Imazon faz um
acompanhamento mensal que costuma antecipar o movimento dos dados oficiais.
Entre agosto de 2018 e março de 2019, foram desmatados 1.974 quilômetros
quadrados de vegetação amazônica. Em todo o ano anterior, o desmatamento foi de
1.590 quilômetros quadrados. “O desmonte pode gerar uma aceleração do
desmatamento, embora seja difícil estabelecer uma relação precisa de causa e
efeito”, disse Carlos Souza Jr., pesquisador associado do Imazon e coordenador
do programa de monitoramento da Amazônia.
Os pontos mais preocupantes, disse Souza Jr., são a proposta
de extinção de reservas legais, o desmonte de políticas de gestão de Unidades
de Conservação, a inibição da fiscalização e a liberação de atividades
econômicas — em especial a mineração — em terras indígenas. Os meses críticos
de desmatamento batem na porta: maio, junho e julho. “Não consigo me lembrar de
intervenções desse tipo do governo. Pode-se perder o total controle do
desmatamento”, afirmou o pesquisador. Ele disse que os dados vêm apontando um
crescimento do “desmatamento especulativo”, quando se desmata para garantir a
apropriação de uma terra pública — a grilagem, em outras palavras. Novas
fronteiras de grilagem vêm sendo abertas no norte do Pará e no sul e sudeste do
Amazonas.
A proatividade de Salles em beneficiar empresas em
detrimento da preservação já o fez se tornar alvo do Ministério Público (MP)
paulista quando era secretário de Meio Ambiente. Foi condenado por improbidade
administrativa e sofreu penas de suspensão de três anos dos direitos políticos,
além de multa correspondente a dez vezes o valor de seu salário, por adulterar
mapas de zoneamento da Área de Proteção (APA) do Tietê para permitir a
ampliação da atividade mineratória na região do rio. A investigação do MP
concluiu que a alteração no mapa foi feita a pedido de representantes da Fiesp.
Salles é alvo, também, de um um inquérito policial que versa sobre os mesmos
fatos, que deverá embasar um processo criminal. A investigação, sigilosa, se
arrasta desde 2017 e está no gabinete do Procurador-Geral de Justiça.
Em janeiro de 2018, o Ibama editou uma norma estabelecendo
regras claras para o descarte de resíduos decorrentes da perfuração de poços
marítimos e produção de petróleo. Entre essas regras, estava a proibição de
descartar no mar o cascalho e os fluidos usados nas fases de reservatório dos
poços. Não demorou para as empresas do setor, representadas pelo Instituto
Brasileiro de Petróleo (IBP), contestarem as novas normas. As empresas pediram
— e a Agência Nacional do Petróleo (ANP) concordou — que houvesse a suspensão
exatamente dos itens que tratam do descarte de cascalho e fluidos. O IBP argumentou
que houve excesso por parte do Ibama e que as regras não encontravam paralelo
em nenhuma parte do mundo. Teve início, então, uma batalha por parte dos
técnicos do Ibama para manter a norma editada no começo de 2018. Em março, o
presidente do Ibama decidiu suspender a norma — apesar de os pareceres dos
técnicos defenderem a vigência das novas regras.
O Ibama também afrouxou regras para o uso de agrotóxicos,
permitindo registros para uso emergencial na Bacia do Rio São Francisco e
prorrogando prazos para regularização. No Conselho Nacional do Meio Ambiente
(Conama), presidido por Salles, a primeira decisão tomada, num processo com
efeitos práticos, foi favorável à indústria. Em reunião em 24 de abril, o
Conama aprovou, por 36 a 35, uma emenda da Confederação Nacional da Indústria
(CNI) que flexibiliza regras na fabricação para o controle de emissão de
poluentes por motocicletas. Salles encampou a proposta, e o Ministério do Meio
Ambiente votou a favor dela, a exemplo de quase todos os representantes do governo.
O Ministério da Saúde foi exceção: votou contra.
No início da noite da última terça-feira, dia 7, Salles
recebeu a reportagem ÉPOCA em seu gabinete no Ministério do Meio Ambiente. O
ministro demonstrou irritação com parte das perguntas feitas e deu respostas
lacônicas.
Segundo ele, o ministério vai detalhar melhor quais são as
hipóteses em que se podem destruir bens flagrados em crimes ambientais. Uma
instrução normativa em vigor já diz que isso só deve ocorrer em caráter
excepcional, conforme o ministro. “Quem está em campo precisa de autorização da
supervisão da fiscalização ( para destruir os bens )”, disse.
O ministro afirmou ainda que existe um “sentimento de injustiça” entre
produtores rurais, um sentimento de que “existe abuso” na fiscalização.
Por isso, segundo ele, foi editado o decreto para permitir a
conciliação ambiental. “É um bom instrumento para restabelecer o diálogo.”
Sobre licenciamentos ambientais, Salles disse que uma lei complementar já
permite as delegações a estados e municípios. “Quanto mais, melhor. O Ibama
precisa ficar com o que é de sua competência.” O ministro defendeu que ocorra o
chamado “licenciamento autodeclarado”, em que o próprio produtor declara a
licença, em casos de substituição de cultura — “Da soja para o milho, da
pecuária para a agricultura” — e de atividades com baixo impacto ambiental.
Salles disse ainda que as discussões sobre pagamento de
serviço ambiental não estão paradas, que o assunto agrotóxicos é
preferencialmente do Ministério da Agricultura e que desconhece a suspensão da
norma sobre descarte de resíduos na exploração de petróleo. Sobre a decisão do
Conama a respeito de emissão de poluentes por motocicletas, o ministro afirmou
que o problema da poluição existe, mas “o remédio era inadequado”.
Salles também afirmou defender a exploração de mineração e
arrendamentos em terras indígenas, desde que se analise “caso a caso”. “O
Brasil está sendo muito injustiçado internacionalmente. O país preserva muito.
Os problemas ambientais estão nas cidades. Não houve cancelamento de agendas,
como as associadas ao campo e a mudanças climáticas. Mas as cidades são o
problema mais premente e urgente”, disse.
Na manhã da quarta-feira 8, oito ex-ministros do Meio
Ambiente chamaram a imprensa na Universidade de São Paulo (USP) para anunciar
uma frente de mobilização contra o que chamaram de “desmonte da governança
socioambiental” no Brasil. Por mais de três horas, relataram ações que entendem
esvaziar a capacidade de implementação de políticas públicas no ministério. A
Salles, endereçaram carta em defesa do desenvolvimento com atenção ao sistema
de proteção ambiental. Ele respondeu na tarde do mesmo dia, em nota que
terminou por atacar gestões anteriores, alegando “sucateamento” da pasta.
Marina Silva ponderou, durante a reunião, que “só a sociedade poderá criar o
espaço para uma outra agenda”, referindo-se à nova política ambiental. Salles
respondeu, em sua nota, que está cumprindo a missão dada pelo Presidente da
República. Sempre houve dúvida sobre até que ponto a eleição de Jair Bolsonaro
foi motivada pelas ideias que defende ou pelo antipetismo. A aprovação popular
— se houver — das rápidas medidas tomadas por Salles no Meio Ambiente pode
começar a dirimir esse enigma.
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