Houve notável entusiasmo de grande parte da sociedade
brasileira com os resultados das eleições de 2018, porque esse desfecho parecia
simbolizar uma ruptura com a era lulopetista, marcada pela corrupção e pela
irresponsabilidade administrativa. O triunfo dos candidatos que se apresentaram
como o “novo” e como a antítese de tudo o que se atribuía ao PT indicava a
clara insatisfação do eleitorado com aquele estado de coisas e, por
conseguinte, denotava a esperança de mudanças radicais que despertariam o enorme
potencial adormecido em razão da captura do Estado por quadrilhas e corporações
corruptas.
Para os mais empolgados, a vaga reformista, capitaneada não
só pela eleição do presidente Jair Bolsonaro, como pela surpreendente renovação
dos quadros parlamentares na União e nos Estados, demanda da sociedade
brasileira total engajamento para atingir os fins a que se destina – quais
sejam, limpar o País da corrupção e das influências da esquerda e colocá-lo no
rumo do crescimento exuberante, mercê das reformas estruturais modernizantes.
Mas o que deveria ser um movimento de revivificação das forças nacionais vai-se
tornando um impulso de radicalização e de desunião, incapaz de analisar
criticamente as razões de sua própria paralisia. Prefere-se atribuí-la a quem não
anuncia sua absoluta aderência aos, digamos, princípios do bolsonarismo e a
quem quer que deles se desvie ou em relação a eles nutra qualquer crítica.
Nesse contexto, não são poucos os que julgam que a própria
imprensa deveria unir-se aos esforços do governo. O jornalismo, segundo essa
visão, deveria refrear seu natural ímpeto de fazer reparos às iniciativas
governamentais, pois estas visariam exclusivamente ao interesse público e ao
bem comum; por outro lado, o jornalismo deveria dedicar-se a apontar as artimanhas
daqueles que lucrariam com o retorno ao desvario lulopetista.
Conforme essa visão, os erros do governo e de seus membros
seriam fruto quase natural e esperado de um pedregoso processo de reconstrução
nacional, ao passo que qualquer reparo aos projetos governistas só pode ser
resultado do inconformismo da “velha política” com o saneamento moral
empreendido pelo bolsonarismo. Logo, ao focar sua atenção mais no governo,
procurando dissecar os problemas políticos e administrativos da Presidência de
Jair Bolsonaro, a imprensa estaria fazendo o jogo dos inconformados e, no
limite, prejudicando o País.
É neste momento, portanto, que se faz essencial relembrar
qual é a serventia da imprensa em uma democracia. O escritor George Orwell, que
entendia como poucos a essência do totalitarismo, dizia que, “se liberdade
significa alguma coisa, significa o direito de dizer às pessoas o que elas não
querem ouvir”.
A imprensa estará cumprindo bem seu papel se mantiver em
relação ao governo o distanciamento necessário para ter sobre ele uma visão
questionadora e independente. É o que o Estado vem fazendo ao
longo de sua história de 144 anos. Não se trata de fazer a crítica pela
crítica, e sim observar se os princípios da boa administração e da boa política
estão sendo respeitados, pois disso depende em grande parte a saúde da
democracia.
Por isso, nenhum governo pode ser tratado com
condescendência pela imprensa. O escrutínio público dos atos de governantes em
geral é o único antídoto eficaz para o autoritarismo. Sem essa fiscalização
permanente, que é tarefa precípua do jornalismo sério, os cidadãos tendem a
ficar no escuro a respeito de decisões que afetam o País e seu futuro. Sem
informações críticas para aquilatar o trabalho das autoridades, os cidadãos
podem se ver enredados quer pelo discurso oficial, quer pela narrativa da
oposição – em qualquer dos casos, alimentam-se o populismo e o extremismo, sem
que o interesse nacional seja de fato atendido.
Há quem diga que, a despeito de tudo isso, a imprensa
deveria “colaborar” para que o governo seja bem-sucedido, pois disso dependeria
a redenção do País. Essa colaboração se daria de duas formas: primeiro, por
meio do reconhecimento das boas intenções do governo; segundo, por meio da
crítica aos que estariam efetivamente prejudicando o País – nomeadamente os
corruptos recalcitrantes.
Ora, nesses termos não haveria mais a necessidade de uma
imprensa livre; bastaria a propaganda oficial. Mas então não estaríamos mais
numa democracia.
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