Na vida pública, quem ganha poder deveria também ter mais
responsabilidade. Por esse prisma, agiu bem o Senado Federal ao aperfeiçoar
e aprovar dispositivos que punem criminalmente o abuso de autoridade, no
bojo de projeto que aperta o cerco contra a corrupção.
O juiz, de acordo com o texto votado
na quarta (26), estará sujeito a penas que vão de seis meses a dois anos de
detenção se praticar atos como o de proferir julgamento em situações em que a
lei o impede ou opinar sobre processos ainda pendentes de decisão.
Já o integrante do Ministério Público submete-se ao mesmo
espectro de punição se emitir parecer em situação proibida pela legislação ou
se investigar alguém sem mínimos indícios de prática criminosa, entre outros
atos tipificados.
A motivação político-partidária nas condutas de magistrados,
procuradores e promotores também vai se tornar crime na hipótese de esse trecho
do projeto passar incólume pela Câmara dos Deputados.
Os senadores tomaram o cuidado de estreitar a margem de
interpretação para quem for aplicar os princípios elencados no texto.
Não basta a autoridade ter incidido nas situações descritas
para ser enquadrada. É preciso que tenha atuado deliberadamente, com a intenção
de prejudicar alguém ou de obter vantagem. Os legisladores, porém, apenas contribuíram
para o anedotário ao acrescentar a esse rol de motivações dolosas o mero
capricho e a satisfação pessoal.
Não procedem as críticas de que o avanço do projeto sobre
crimes de abuso de autoridade seria uma retaliação às operações anticorrupção
da parte de políticos, potenciais alvos dessas investigações.
Inibir nos investidos do poder de Estado a propensão, demasiado humana, para o desvio é uma lacuna secular da legislação brasileira.
Inibir nos investidos do poder de Estado a propensão, demasiado humana, para o desvio é uma lacuna secular da legislação brasileira.
Impregna-se na tradição mandonista da República, desde a sua
fundação, a cultura da autoridade que não deve satisfação a ninguém, ao que
corresponde a figura de um cidadão mal protegido, sujeito a arbitrariedades
cotidianas.
A esse substrato a Constituição de 1988 acrescentou
categorias superpoderosas de fiscais e aplicadores da lei, sob o objetivo
meritório, e satisfatoriamente atingido, de impedir a brotação do germe
cesarista sempre latente no Executivo.
E quem controla o controlador?
O sistema apenas tímida e tardiamente tem se lembrado da
necessidade de estabelecer limites também a esses agentes. É fraquíssima a
capacidade de atuação independente de órgãos de correição, como o Conselho
Nacional do Ministério Público, um exemplo do mais rematado corporativismo
nacional.
Por isso iniciativas para trazer mais equilíbrio
a essa relação, sob a forma de legislações razoáveis e ponderadas como a que
saiu do Senado, merecem ser saudadas.
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