O Supremo Tribunal Federal ratificou o procedimento de
privatização que é utilizado desde 1990, com a base na lei que criou o Programa
Nacional de Desestatização (PND). Ao suspender as liminares dos ministros
Lewandowski e Fachin, que paralisaram a venda de estatais e subsidiárias, a
maioria dos ministros reafirmou que a participação do Estado na atividade
econômica é exceção, e não regra, como determina o art.173 da Constituição. Sua
presença só se justificaria em casos de interesse público, definidos em lei, e
quando imperativo à segurança nacional.
O STF não inovou em nada. A regra sempre foi clara. A Lei do
PND funciona como uma autorização genérica dada pelo Legislativo ao Executivo,
que por decreto define quais empresas estatais serão incluídas no processo,
seja para vender seu controle seja para encerrar suas atividades. Para
Petrobrás, Eletrobrás, Caixa e Banco do Brasil há necessidade de autorização
específica porque há leis que vedam sua privatização. Já é hora de rever esses
impedimentos, pois o País mudou e as justificativas para mantê-las sob controle
estatal não existem mais.
Derrubada a liminar de Lewandowski, não há mais desculpa
para não avançar com as privatizações. Agora só precisa de vontade política.
Mas nesta mesma semana, o governo, que já havia desistido de vender a EBC e
Ceitec, anunciou que vai manter mais 12 estatais ligadas à área militar. E para
as grandes empresas, o foco continua sendo apenas a venda de subsidiárias.
Guedes prometeu arrecadar R$1 trilhão em leilões de
desestatização. Mais importante que a delirante projeção era a determinação em
privatizar tudo. Esqueceu de combinar com os russos; o presidente sempre
mostrou restrições à venda de empresas consideradas por ele estratégicas. A
expressão “estratégica”, que não é jurídica, é utilizada de forma corriqueira
pelos governantes para defender seus interesses políticos e reforçar o
imaginário popular contra a venda de patrimônio público.
Há muito tempo que defendo a ideia de utilizar o
procedimento do PND, de que basta uma lei geral, para colocar todas as estatais
no programa por decreto, com exceção das que tiverem impedimento legal. O sinal
estaria dado para um novo Estado começar a ser redefinido após anos de
estatismo e intervencionismo.
O Estado está falido, em todos os níveis de governo, sem
condição de fazer os investimentos necessários para uma retomada sustentada do
crescimento. Com as sucessivas revisões para o PIB, que hoje estão em torno de
apenas 1%, atrair o investimento privado, em especial para infraestrutura, é
ainda mais imperativo. Mas o capital privado é avesso ao risco jurídico e
regulatório que domina o setor de concessões e privatizações. A liminar do
ministro Fachin mostrou que nem mesmo as longas tratativas com TCU,
estabelecendo uma modalidade de leilão em etapas para a venda da TAG, foram
suficientes para dar segurança ao negócio.
A insegurança não vem de hoje. A venda de participação
acionária da Cemig nos anos 90 sofreu dois reveses importantes: os direitos de
voto assegurados em edital ao bloco minoritário, assim como a prerrogativa de
prorrogação de suas concessões, foram revogados sem que fossem previstas
compensações aos investidores. Em Goiás, o governador eleito este ano quis
impor novas obrigações aos compradores da CelgD, revendo as condições do leilão
e do contrato. Os exemplos são muitos e existem em todas as áreas: aeroportos,
rodovias ou ferrovias. A hipertrofia dos órgãos de controle, substituindo as funções
das agências reguladoras, deslegitimadas pela captura política, tem mais
atrapalhado que ajudado.
Para o sucesso na venda de empresas é importante uma
governança bem desenhada, como se vê na infraestrutura. O ministro Tarcísio vem
conduzindo com competência a área de concessões, obtendo sucesso nas licitações
deste início de governo exatamente por redesenhar as regras de leilão com
objetivo de mitigar o risco.
O programa de privatizações está sem comando, sem foco e sem
cronograma. Cada ministério faz seu lobby e as estatais vão sobrevivendo. O
Tesouro Nacional, representando a União, deveria definir os ativos a serem
vendidos e a Secretaria de Desestatização conduzir o processo. No entanto, são
os últimos a opinarem. O BNDES perdeu a embocadura durante os anos de governo
PT. A nova direção talvez consiga recuperar o papel predominante que o banco já
teve nesta área. As instituições privadas poderiam auxiliar no processo de
venda de ativos, como vêm fazendo nas operações de desinvestimentos. É preciso
ser mais ágil mantendo a transparência.
A estrada para novos investimentos não precisa ser tão
acidentada.
*Economista e advogada
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