Todo governo escolhe sua oposição. Ao definir o que é
prioridade, ao dizer qual rubrica orçamentária recebe mais ou menos recursos, o
mandatário inevitavelmente beneficia uns em detrimento de outros e acaba por
eleger quem vai se opor a ele. O governo Bolsonaro escolheu estudantes,
professores e todos os que prezam pela educação pública para serem seus
antagonistas. Se foi de caso pensado não foi bem estudado. Bolsonaro colheu as
maiores manifestações contra um presidente recém-empossado em décadas. Levou
centenas de milhares às ruas e tomou uma sova sem precedentes no seu ringue
predileto, as mídias sociais.
José Sarney precisou de mais de dois anos de governo até
levar uma picaretada na janela do ônibus onde estava. Foi o mesmo tempo que os
jovens levaram para pintar as caras e derrubar Fernando Collor. Fernando
Henrique enfrentou e derrotou uma greve de petroleiros com cinco meses de
governo, mas nada que ocupasse ruas e praças como neste maio de 2019. Dilma
habitava havia mais de dois anos o Palácio da Alvorada quando os protestos
deflagrados pelo MPL cortaram mais da metade de sua popularidade. Lula só foi
enfrentar protestos massivos após deixar o poder.
É cedo para prognosticar se as manifestações de 2019 serão
tão persistentes quanto as de 2013 ou 2015, mas já mostraram uma abrangência
geográfica tão ampla quanto as ondas de insatisfação de um passado recente.
Gente jovem foi às ruas em quantidades industriais neste dia 15 não só no Rio
de Janeiro, Belo Horizonte e Fortaleza, mas no agreste pernambucano e no
interior paulista. Houve mobilizações em todas as unidades da Federação.
O movimento é espalhado e descentralizado por causa do tipo
de alvo que o governo escolheu atingir. Quase toda grande cidade tem um campus
universitário, quase todo município tem pelo menos uma escola. Mais
capilaridade e conectividade, impossível. Estudantes universitários são os mais
engajados nas mídias sociais e muitos possuem smartphones. Fica fácil para se
organizar, escolher pontos de encontro, agendar manifestações. Faltava um
motivo, um inimigo comum, que o governo entregou de bandeja.
Os cortes nas verbas da Educação, anunciados com uma mistura
de orgulho e arrogância, reacenderam o movimento estudantil. Diante da reação
negativa nas redes, ministros e presidente dobraram a aposta e mantiveram a
ofensiva, tentando caracterizar as universidades como antros de balbúrdia. A
máquina de propaganda bolsonarista despejou memes nos grupos de WhatsApp
durante as madrugadas com teses de mestrado e simpósios universitários
batizados com os nomes mais estapafúrdios e escalafobéticos que conseguiram
encontrar. Os burros deram n’água, porém.
Se nada disso fosse suficiente, na véspera do dia marcado
para os protestos, Bolsonaro protagonizou um dos momentos mais ridículos de sua
gestão. Com doze deputados por testemunha, ligou para o ministro da Educação –
recém-convocado para se explicar no plenário da Câmara dos Deputados – e mandou
suspender os cortes. Assim que a notícia virou manchete, pipocaram desmentidos
de todos os lados, da Casa Civil à liderança do governo no Congresso. Os
subalternos desautorizaram o chefe e disseram que o contingenciamento de verbas
estava mantido. Bolsonaro voou para os Estados Unidos e, lá longe, chamou os
manifestantes de “idiotas úteis”. Entre a mangueira e o coquetel Molotov, o
presidente sempre escolhe o combustível que aumenta o incêndio.
Diante de uma oposição partidária inerte, desorganizada e
sem presidenciável que represente real perspectiva de poder, Bolsonaro criou
sua própria oposição. Ao copiar o molde de governos europeus de extrema direita
que atacam instituições universitárias, a parelha governamental fez um estrago
digno de uma manada de javaporcos. Ignorou a extensão, onipresença e
capilaridade das universidades e dos cursos técnicos federais.
O movimento de protesto pode acabar amanhã sem dar em nada
de concreto. Mas a imagem de um presidente popular e dono das ruas ficou no
passado. Bolsonaro e companhia conseguiram materializar nas praças as taxas
crescentes de avaliação negativa do governo, para felicidade do Centrão – o
consórcio dos partidos amorfos que tem a maior bancada do Congresso. Rodrigo
Maia agradece: Bolsonaro deu mais um passo para o parlamentarismo de fato.
Editor-executivo da piauí (site), foi
repórter e colunista de política na Folha e no Estado
de S. Paulo e presidente da Abraji
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