O Brasil vivencia um interessante processo de fortalecimento
do Legislativo, o que se reflete em números. No primeiro semestre deste ano,
nove proposições legislativas, incluindo projetos de lei, propostas de emenda à
Constituição e projetos de lei complementar, foram remetidas ao Senado depois
de conclusão favorável de sua tramitação na Câmara.
Trata-se de um fenômeno novo. Em igual período da legislatura
anterior (de 3 de fevereiro a 30 de junho de 2015), somente uma proposição teve
o mesmo destino. Em todas as anteriores, desde a eleita em 1994, nenhuma
proposição apresentada na primeira metade do ano foi enviada aos senadores
antes do final de junho, após a finalização de sua tramitação na Casa.
Nas legislaturas anteriores, as propostas efetuadas no mesmo
intervalo vieram a ser expedidas para o Senado muito tempo depois, ou seja, o
número absoluto de proposições que tramitaram com sucesso neste ano na Câmara
indica também prazo recorde de processamento.
Proposições, normalmente, levam muito mais meses até sua
aprovação —e todas as aprovadas são de autoria de deputados e deputadas ou da
própria Casa.
O que explica essa altíssima eficiência legislativa?
As respostas são de duas naturezas: institucional e
conjuntural.
Institucionalmente, o país mudou nos últimos anos. Foram
várias as reformas políticas que transformaram a relação entre os Poderes
Executivo e Legislativo, sendo todas na direção de maior autonomia do Congresso
e de redução do controle da agenda legislativa pelo Executivo.
As principais alterações envolvem dois importantes recursos
de poder do governo para exercer esse controle: emendas orçamentárias e medidas
provisórias (MP).
As últimas revisões dessas duas fundamentais ferramentas de
administração reduziram a discricionariedade do Executivo.
As primeiras são agora praticamente carimbadas e devem ser
pagas, reduzindo a margem de negociação do Executivo.
Já o uso das segundas não impõe custos ao Legislativo, que,
se as deixa de analisar, não vê seus trabalhos paralisados como ocorria no
passado. Hoje, quem tem que se esforçar para aprovar as MPs é o Executivo, uma
vez que, se não houver deliberação, elas perdem validade.
Uma demanda antiga da classe política, a de maior autonomia
do Congresso frente ao presidente da República, está em andamento.
No entanto, não houve um enxugamento do quadro partidário
brasileiro. Muito pelo contrário: as reformas em vigência até este ano
estimularam a criação de novas legendas como alternativa para a migração
partidária.
Além disso, mudanças recentes ampliaram a janela de mudança
partidária às vésperas das eleições, elevando a incerteza quanto à composição
das legendas. Assim, o número efetivo de agremiações no Brasil, que já era o
mais alto do mundo, explodiu.
Nossas reformas políticas reduziram a capacidade do
Executivo de governar: dilataram o leque de partidos e, consequentemente, a
dificuldade de construção de maiorias estáveis, bem como enfraqueceram os
poderes do governo para avançar sua agenda legislativa.
Dilma Rousseff (PT) navegou esses mares, assim como ocorre
com Jair Bolsonaro (PSL) hoje, diferentemente de seus antecessores. Michel
Temer (MDB), um parlamentar experiente, conseguiu reorganizar a coalizão, mas
não governou, mergulhado em escândalos.
Conjunturalmente, o atual governo rejeita a construção de
coalizões nos moldes do passado e conta com o apoio estável de uma minoria.
Dessa forma, sua capacidade de coordenação dos trabalhos legislativos é
reduzida e seu controle sobre a agenda da Câmara, menor. Ademais, sua limitada
base é inexperiente, dificultando a defesa de seus interesses.
Por outro lado, é importante ter claro que o objetivo do
governo no primeiro semestre era a aprovação da reforma da Previdência. A
gestão Bolsonaro tem deixado de lado outras questões.
Neste vazio de poder, abriu-se espaço para deputados
aprovarem projetos de relevância para lidar com questões de interesse nacional,
conforme deixam claro as ementas das propostas remetidas ao Senado.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), por sua vez, vem
apoiando a atuação dos parlamentares, ampliando a primazia da Casa.
O Legislativo brasileiro se fortaleceu. Precisa ser
acompanhado de perto pelo eleitor. Nunca antes foi tão importante prestar
atenção no que nossos representantes fazem.
*Lucio Rennó é professor do Instituto de Ciência Política da
UnB, doutor em ciência política pela Universidade de Pittsburgh (EUA) e
ex-presidente da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (2015-2018)
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