Com essa pergunta o famoso físico nuclear Enrico Fermi
enunciava seu paradoxo. Com os dados da idade da Terra e a dimensão da galáxia,
ele concluiu que civilizações extraterrenas já nos teriam visitado.
Onde está todo mundo? No paradoxo tropical os dados indicam
que haveria uma grande reação à medida do ministro Toffoli proibindo que o Coaf
troque dados com órgãos de investigação sem consulta judicial. Afinal, a luta
contra a corrupção foi um dos temas fortes na campanha eleitoral. Os 57 milhões
de eleitores de Bolsonaro devem ter acreditado nisso. O homem central da Lava
Jato, Sergio Moro, especialista em lavagem de dinheiro, foi integrado ao
governo.
Mas as camisas amarelas e bandeiras do Brasil sumiram das
manhãs de domingo. Uma possível resposta ao paradoxo de Fermi é o fato de que
civilizações mais antigas podem ter existido e desaparecido. Uma das possíveis
respostas ao paradoxo tropical é o enlace do movimento anticorrupção com o
governo.
A decisão de Toffoli representa uma retrocesso de mais de
uma década, rompe com acordos internacionais do Brasil e nos transforma de novo
num paraíso para os fora da lei. Mas ela foi provocada por um pedido da defesa
de Flávio Bolsonaro, que estava sendo investigado com dados do Coaf. O pai,
Jair, concordou com a medida.
O ministro Sergio Moro expulsou três paraguaios que se
refugiavam no Brasil e disse que o País não será mais um abrigo para bandidos.
Porém não comentou a medida de Toffoli que desfaz grande parte de um trabalho
contra a corrupção. Ele abre caminho para recursos do PCC e outras quadrilhas,
dificulta trabalhos importantes, como o de um laboratório de tecnologia de seu
ministério que trabalhava especificamente com a lavagem de dinheiro.
Embora esteja longe de Brasília, posso imaginar mais um
fator que explica o paradoxo tropical. Toffoli estava incomodado com as
notícias de que o escritório de advocacia de sua mulher foi investigado pelas
autoridades financeiras. Antes dele, Gilmar Mendes também protestou contra as
investigações sobre as finanças de sua mulher. Havia no Supremo uma disposição
para deter o mecanismo de troca de informações, hoje bastante corriqueiro no
mundo. Os Estados Unidos, por exemplo, enviam inúmeras pistas para outros
países sobre suspeitas de financiamento do terrorismo. Mas em Brasília, quando
se vai tomar uma medida desgastante, a primeira preocupação, se possível, é
dividir a responsabilidade.
O pedido de Flávio Bolsonaro era o caminho ideal.
Bolsonaristas deixariam suas camisas amarelas na gaveta. O Supremo estava
protegido, não haveria grandes reações.
O pressuposto desse trabalho de troca de informações
financeiras é o sigilo. Houve vazamento no caso das esposas de Gilmar e
Toffoli. Isso também explica parcialmente o paradoxo. O mecanismo foi
apresentado como ameaça aos direitos do indivíduo, ao sigilo bancário.
No tempo dos degredados já havia uma certa visão negativa do
Brasil. Ela se consolidou mais tarde nos filmes americanos em que o Brasil era
uma espécie de Shangri-lá dos bandidos. Ronald Biggs, que participou do grande
assalto ao trem pagador na Inglaterra, certamente veio para cá movido por essas
fantasias.
Assim como a expectativa científica era de civilizações
exteriores, no paradoxo tropical, onde todo mundo sumiu, é a própria pressão
externa que pode resolvê-lo. As empresas hoje são regidas por certas normas de
conduta, os países também são julgados assim quando rompem acordos
internacionais no campo do combate à lavagem de dinheiro.
Perdem credibilidade.
Prevemos um futuro de intenso intercâmbio com o mundo,
apesar dos lamentos antiglobalistas. O acordo com a União Europeia já foi
acionado, aproxima-se outro com o Canadá. Sem contar o próspero Oriente.
Todavia, exceto a Rede, que recorreu contra a decisão de
Toffoli, a oposição não se mexeu. Para a esquerda tradicional, a luta contra a
corrupção era apenas uma nota no pé de página. E, quando se agigantou,
tornou-se ameaça ao Estado de Direito, instrumento para derrotar as forças
populares.
Navegando nesse paradoxo, o que se vê é um desmonte do
aparato investigativo, uma volta, pelo menos nesse aspecto, a um passado de
impunidade. E um nó dado no movimento contra a corrupção que se identificou com
o bolsonarismo e agora é obrigado a fazer o jogo político tradicional.
Isso não significa que desapareceu a luta contra a
corrupção. Ela apenas recuou para o partidarismo, o velho jogo de apontar
corrupção nos adversários e calar sobre as suspeitas que recaem sobre si
próprio.
Esse jogo leva necessariamente a uma convergência para
neutralizar mecanismos sentidos como ameaçadores. Na experiência internacional,
a expressão “siga o dinheiro” passou a ser um norte para as investigações. A
medida de Toffoli diz o contrário: esqueçam o dinheiro porque não há
autorização judicial para segui-lo.
Mas, se essas pistas forem desprezadas, como alcançar as
grandes organizações criminosas, cada vez mais hábeis em camuflar suas
atividades?
No escândalo da Petrobrás descobriu-se que a Odebrecht tinha
um departamento de propinas, contas e até banco no exterior. Os criminosos
comuns carecem dessa sofisticação, mas não faltam mercenários para
assessorá-los.
Quando Dias Toffoli e Alexandre de Moraes tentaram censurar
a revista Crusoé houve reação rápida e eficaz. Recuaram. Mas recuar agora é
difícil porque os fios se ligaram lá em cima, governo e Toffoli pensam da mesma
maneira, beneficiam-se da mesma medida.
Sumiram os cartazes, faixas caminhões de som e nessa
nebulosa tropical somem também as grandes e suspeitas transações financeiras.
Voltamos às origens. E o Brasil parecia ter avançado para uma nova etapa.
Onde está todo mundo?
Artigo publicado no Estadão em 26/07/2019
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