Vera Magalhães, O Estado de S.Paulo
O governo Jair Bolsonaro pode até enxergar uma conspiração internacional interessada em nos tomar a Amazônia, mas partiu dele um conjunto de erros que permitiu que a crise ambiental ganhasse o mundo e expusesse o Brasil a riscos concretos para seus negócios, sua imagem e acordos dos quais é signatário.
Tudo começou com o desprezo aos dados relativos ao desmatamento, com a investida de Bolsonaro e seu ministro de Meio Ambiente, Ricardo Salles, contra o Inpe, diante do silêncio conivente do dublê de ministro da Ciência e astronauta Marcos Pontes – aliás, uma figura ausente em todo o debate atual.
Não fosse o ataque deliberado de Bolsonaro a um instituto que tem reputação internacional, expertise em medição de desmatamento e um quadro técnico competente, sem que existisse absolutamente nada para se oferecer como alternativa, os olhos do mundo não teriam se voltado já antes do início da temporada de queimadas para a Amazônia.
O negacionismo retórico puro e simples já dura meses e, desde então, não se produziu uma mísera evidência confiável que refutasse definitivamente os dados do Deter, que apontavam escalada do desmatamento neste ano.
Pelo contrário: a força das queimadas antes mesmo do mês de pico da estação de estiagem (setembro) mostra que sim, há uma situação de descontrole no desmate.
E, de novo, o governo não dispõe de informações oficiais básicas para enfrentar a situação: quem promove as queimadas e o desmatamento? Bolsonaro chuta que seriam ONGs interessadas em manchar a reputação internacional do Brasil. É constrangedor ver um presidente da República tão desaparelhado. Onde está o Sistema de Inteligência brasileiro que não municia o chefe de Estado de informações precisas a respeito de onde ocorrem derrubadas e queimadas, quem as promove, quais são as forças do Estado (Polícia Rodoviária Federal, Polícia Federal, Exército, Ibama, polícias estaduais) que serão recrutadas para resolver o problema?
A direita bolsonarista, que sempre criticou a tendência à vitimização da esquerda, chega ao poder e adota o mimimi como política de Estado. E mimimi em escala global, que é para aumentar a vergonha. Ao reagir às críticas de outros países ao Brasil, Bolsonaro poderia se servir de informações do Itamaraty, ou do Ministério da Agricultura, ou do competente secretário de Comércio Exterior, Marcos Troyjo. Todos eles têm diagnósticos técnicos acerca dos interesses comerciais e geopolíticos em jogo nas tentativas que países como França e Irlanda fazem de barrar tratados como o Acordo UE-Mercosul e a entrada de produtos brasileiros na Europa.
O presidente e seus filhos não precisariam dar o vexame de postar subnarrativa de YouTube em suas contas oficiais para refutar os ataques internacionais ao Brasil se usassem os dados à disposição do governo brasileiro. Inclusive a voluntariosa Secom, que se apressa em abrir canais para contar a “verdade dos fatos”, faria um serviço bem melhor se se socorresse desse aparato de Estado no lugar dos ideólogos de plantão. Bolsonaro demorou semanas para tomar as primeiras medidas concretas na crise ambiental, como se o fogo que queima a floresta e a imagem do País no exterior fosse se dissipar na base do gogó.
Outro efeito colateral que começa a colher pela dificuldade de gestão é a perda de apoio naquele que foi o primeiro setor organizado a apoiá-lo: o agronegócio. Diante da perspectiva da perda de negócios e de certificações que levaram anos de pesquisas e trabalho duro para serem obtidos, os produtores começam a perceber que o custo de uma guinada meramente ideológica e obscurantista em uma área – a questão ambiental – cada vez mais global e indissociável da economia pode ser irreversível.
domingo, 25 de agosto de 2019
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