Informal, irreverente e rude. Pelas controvérsias criadas, o
presidente demonstra ter a mesma compostura de alguém no happy hour.
Há poucas semanas, o presidente Jair Bolsonaro comunicou que
passaria por uma intervenção dentária e não poderia falar por três dias. Estava
dada a piada pronta. Mesmo entre apoiadores, foi comemorado o intervalo sem
declarações polêmicas. Seu disparo quase diário já é uma marca deste governo.
Mais que polêmicas, muitas das declarações têm um tom de
grande informalidade e, por vezes, grosseria. Tudo parece fora do que se espera
de alguém investido da posição de presidente da República.
Houve recentemente a referência aos governadores do Nordeste
como “paraíbas”; assim como a fala sobre oferecer filé aos filhos sempre que
puder, ao indicar um deles ao cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos.
Ou dizer saber do fim que levou o pai desaparecido do presidente da OAB,
Fernando Santa Cruz, preso durante a ditadura militar. Os exemplos se acumulam.
Como entender essa forma de narrativa?
Que efeito produz?
A intencionalidade dessa forma de comunicação só poderia ser
conhecida com uma conversa com seu autor, o que não nos é acessível. Mas
sabemos que o efeito polêmico é bem recebido. Ante a reação contra a indicação
do filho para a embaixada, o presidente disse que, “se estão reclamando, deve
ser uma coisa boa”.
As hipóteses extremas seriam: em primeiro lugar, a expressão
de um homem simplório e inconsequente; e em segundo, um plano de comunicação
muito bem orientado. Talvez tais hipóteses não sejam excludentes ou
inteiramente certas, mas chamo a atenção para três dimensões psicológicas
envolvidas.
Identificação – Enquanto boa parte da mídia e das pessoas
repudia esse tipo de declaração, é evidente que há amplas parcelas da população
que se sentem representadas pelo conteúdo e pela forma a que o presidente
recorre. Esta é a dimensão populista de sua figura: ele fala “perto” de muitas
pessoas que se viam sem voz. Pense-se no debate sobre o “politicamente
correto”, no qual certos estratos sociais se afirmavam no estabelecimento de
uma nova norma discursiva. O presidente restitui a voz aos recém-oprimidos em
sua expressão de valores.
Muitos se perguntaram por que, nas últimas eleições,
existindo outras candidaturas consideradas de direita, como Henrique Meirelles
e Geraldo Alckmin, com uma postura sóbria, as intenções de voto se dirigiram a
Bolsonaro. Talvez aqui tenhamos uma reposta: ele é próximo ao homem comum, que
se pode ver representado nele, algo impossível na formalidade e falta de
carisma de Meirelles e Alckmin. Nisso, sem dúvida, Bolsonaro replica e se
identifica com seu inimigo número um: o ex-presidente Lula. Este também foi
famoso por declarações polêmicas e um jeito popular de se portar e comunicar.
Distração – Outro efeito claro das declarações polêmicas é o
de distrair a atenção de temas nacionais de maior peso, ou mesmo de problemas
envolvendo o governo e familiares do presidente. Parece estranho um presidente
se dedicar pessoalmente à legislação sobre o uso de cadeirinhas para crianças
nos carros ou que tipo de filme merece financiamento público. Uma vez mais,
essa ocupação com o “varejo” tem um tom populista e de distração. A referência
histórica, agora, é Jânio Quadros, genial em se tornar notícia, por exemplo, ao
proibir o uso de biquínis.
As distrações ocupam muito espaço na mídia e nas redes
sociais e produzem muito ruído.
Ressentimento – A forma por vezes grosseira, que parece
desprezar tradição política, institutos de pesquisa e conhecimento acadêmico,
também parece ser a expressão de um sentimento popular: a exaustão geral com a
forma como a política foi exercida nas últimas décadas. Nossa frustração social
e econômica parece ter encontrado um vilão nos donos anteriores do poder: os
políticos profissionais, as autoridades intelectuais institucionais. É como se,
num grande grito de ressentimento, o homem comum gritasse: “Chega! Vamos voltar
a um modo mais simples de pensar e funcionar”. A decepção real com a Nova
República resulta numa raiva muito grande com tudo o que ela representou. Há um
repúdio ao intelectualismo do PSDB, ao discurso ideológico do PT e à política
tradicional como um todo. Teríamos, então, a narrativa de um presidente que se
vê como um outsider que chegou ao poder. Há algo de punk naquele discurso, que
cospe na cara das convenções.
Brilha, então, o discurso de um homem comum, que fala como
se estivesse sempre num ambiente informal – o “tiozão do churrasco”, como tem
sido dito –, a disparar suas opiniões e vociferar contra as instituições. Ele
soa como alguém que vai fazer o que precisa ser feito, passando por cima de
entraves burocráticos ou legais. Sua comunicação é direta, por mídias sociais,
ao largo da mediação da imprensa. Esse é o campo em que o populismo desliza
para o autoritarismo.
Por fim, há também a facilidade com que desdiz o que disse,
num mesmo dia. As falas parecem balões de ensaio que, em função da recepção,
são sustentadas ou negadas. Mas esses balões de ensaio estendem o campo do
“novo normal” e se corre o risco de deixar de perceber o reposicionamento moral
e ético que está sendo operado.
Tudo leva a crer que esse discurso fortalece o núcleo duro
daqueles que com ele se identificam, mas, enquanto isso, parece corroer pelas
bordas quem não se sente representado por aqueles valores e tem uma atitude
mais moderada. Identificar-se com valores conservadores é uma coisa, com um
discurso de ódio é outra.
Os estudos de marketing político costumam dizer que o
principal elemento para a popularidade de um político com mandato é a situação
econômica. É um bom aprendizado acompanhar em que medida um discurso que
mobiliza paixões tão primitivas interfere na avaliação do presidente.
*PSICANALISTA, É PROFESSOR DA ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA
E MARKETING (ESPM-SP)
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