Nos três meses e meio de duração da grande exposição
de Tarsila do Amaral no MASP, encerrada na semana passada, devo ter
lido e ouvido dezenas de vezes que ela foi uma das estrelas da Semana de Arte
Moderna, em 1922. É natural. Dentro da impressionante mitologia criada nos
últimos 50 anos em torno da Semana, já li até que, por causa desta, aconteceram
a revolta dos 18 do Forte de Copacabana, em julho daquele ano, e a Revolução de
1930.
Os autores dessas afirmações ficariam surpresos ao saber que
alguns dos principais nomes da Semana, como Oswald de Andrade e Menotti del
Picchia, levaram toda a década de 20 exatamente do lado que aqueles movimentos
queriam derrubar —o lado do poder, do atraso, da oligarquia cafeeira. Oswald
era íntimo de Washington Luiz —aliás, seu padrinho de casamento com Tarsila— e
del Picchia, nada menos que ghost-writer do então governador de São Paulo e
futuro presidente deposto.
Tarsila não fez parte da Semana de Arte Moderna. Não sou eu
quem o diz. É ela própria, em textos de 1947 e 1952, no magnífico livro “Tarsila
Cronista” (Edusp, 2001), editado por Aracy Amaral: “De 1922 para cá
[...], muitos têm se inserido na lista de seus participantes, nomes de artistas
plásticos e literatos que não tomaram parte naquele certame artístico. [...]
Até hoje insistem alguns cronistas em colocar meu nome entre os corajosos
realizadores da Semana de Arte Moderna”.
“Nessa época”, continua Tarsila, “eu me achava em Paris,
estudando pintura, e não me nego a dizer que fiquei bastante chocada ao saber
que em São Paulo se atacava Olavo Bilac”. Não apenas estudando pintura, mas
pintura acadêmica, no atelier de Émile Renard, o mais conservador de
Paris.
Claro que, ao voltar para São Paulo, quatro meses depois da
Semana, Tarsila iria conhecer os modernistas. E não apenas se converteria, como
se tornaria a melhor entre todos eles.
Ruy Castro
Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen
Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.
Nenhum comentário:
Postar um comentário