Parece que vai ser meio empurrado, mas um dia o presidente
Jair Bolsonaro pode acabar aprendendo a governar. Ou comete um crime e cai.
Melhor a primeira hipótese, o Brasil não merece mais um impeachment. Não falo
por Bolsonaro, mas pelo país. Como já vimos duas vezes, tudo para enquanto o
processo estiver em curso. E o país, que ameaça agora voltar a caminhar, não
precisa de mais uma temporada de estagnação. Por ora, Bolsonaro vai sendo
forçado a governar de acordo com as leis e a Constituição, às quais tem
repulsa.
Já são muitos os episódios em que erros de governo
produzidos por iniciativa presidencial foram corrigidos pelo Congresso Nacional
ou pelo Supremo Tribunal Federal. A última correção foi humilhante e se deu por
unanimidade de votos de um STF normalmente dividido, em que raríssimas foram as
ocasiões onde todos os ministros votaram da mesma forma. Pois os dez ministros
presentes na sessão de quinta-feira derrubaram a Medida Provisória reeditada
por Bolsonaro transferindo para o Ministério da Agricultura a demarcação de
terras indígenas.
Os ministros não apenas impediram a iniciativa esdrúxula,
mas disseram coisas como; “inaceitável transgressão constitucional”; “agressiva
inconstitucionalidade”; “ofensa ao princípio da divisão de poderes”. O que Bolsonaro
queria fazer era mais uma tentativa de atropelar o Congresso, que já havia
derrubado MP com o mesmo conteúdo. A Constituição proíbe reedição de MPs porque
elas entram em vigor no dia da sua publicação e só perdem o efeito se
derrubadas ou ignoradas pelo Congresso depois de 60 dias. Reeditar MP
significa, portanto, colocar em vigor legislação que o Congresso rejeitou.
O gesto representa um desafio ao Congresso, uma tentativa de
usurpar os seus poderes constitucionais. Foi isso o que o governo quis fazer, e
bateu com a cara na porta do STF. Bolsonaro tentou se explicar dizendo que foi
um erro da sua assessoria, um erro dele próprio. Verdade, foi um erro. Mas não
foi um engano, a medida visava isso mesmo, afrontar e ultrapassar o Congresso.
Não há bobo no Palácio do Planalto, embora pareça haver. Ninguém da Casa Civil
levaria ao presidente uma afronta tão clara à Constituição se não fosse
incentivado pelo próprio chefe.
Nenhum problema no fato de o presidente pensar de maneira
exótica e se comportar publicamente com modos pouco convenientes. São assim
também alguns outros líderes mundiais bem conhecidos. O que não pode é o
presidente agir acima da lei, o que seus pares esquisitos, dos Estados Unidos e
do Reino Unido, por exemplo, não fazem porque conhecem seus limites. Inebriado
pela nostalgia da ditadura militar, da qual se orgulha, Bolsonaro acha que pode
ir empurrando tudo para além do razoável, do legal e do constitucional.
O presidente está muito próximo de cometer um crime de
responsabilidade que poderia desencadear um processo de impeachment. Como ele
mantém uma relação, vamos dizer, pouco harmoniosa com o Congresso, pode ter
problema. Os seus seguidos erros se acumulam na mesma medida em que saem da sua
boca bobagens que assustam e envergonham até mesmo seus eleitores. Nesse
momento, Bolsonaro tem duas alternativas. A primeira é seguir nesse batidão e
ir aguentando as consequências, até onde for possível. A outra é calar a boca e
parar de afrontar os outros Poderes.
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