terça-feira, 3 de setembro de 2019

A IDEOLOGIA DA IDEOLOGIA DE GÊNERO

Bruna Furlan, Folhade S.Paulo
Ao ser inquerido sobre as posições do Brasil a respeito de gênero, na Comissão de Seguridade Social e Família, da Câmara dos Deputados, o chanceler Ernesto Araújo assumiu tom histriônico e acusou as esquerdas de se apropriarem de boas causas, como é o caso dos direitos das mulheres, para pervertê-las, semeando a degradação moral. A fala do ministro, proferida no último dia 8 de agosto, chocou parlamentares presentes na audiência.
Para Ernesto Araújo, o termo gênero se refere apenas ao sexo biológico masculino e feminino, ao passo que os chamados direitos sexuais e reprodutivos da mulher, consagrados em documentos da ONU, seriam um eufemismo para a promoção do aborto. Nesse contexto, culpou a ideologia de gênero pelo crime bárbaro contra o menino Rhuan, em Brasília, assassinado pela própria mãe e sua companheira.
Os direitos sexuais e reprodutivos, na visão do chanceler, seriam a lâmina de gilete no meio de um bolo apetitoso. Na metáfora esdrúxula empregada na ocasião, o bolo representaria os direitos das mulheres, enquanto a gilete seria a agenda abortista escondida por trás de termos como direitos sexuais e reprodutivos.
 O ministro das Relações Exteriores se equivoca ao adotar um fundamentalismo regressivo e obscurantista. Crimes citados por Araújo não têm origem em qualquer ideologia de gênero. Outros semelhantes são cometidos por membros aparentemente respeitáveis de famílias tradicionais, mas isso não passa pela cabeça do chanceler templário, que demonstra desapego a dados, estatísticas ou evidências.
Cego por sua ideologia tributária da Idade Média, o ministro usa um caso que gerou comoção para condenar por tabela os casais homossexuais. Esses casais, quando optam por terem filhos, como quaisquer pais e mães, também desejam oferecer-lhes um ambiente harmonioso e acolhedor.
O insulto seria motivo de grande escândalo em qualquer país ocidental que ele tanto admira, mas não no Brasil de hoje, ao que parece. Como se não bastasse, o chanceler joga fora o bebê com a água do banho ao atacar os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. A ONU, Ernesto Araújo esqueceu-se de mencionar, não trata de aborto, já que o tema é da alçada de cada país e não reuniria consenso internacional.
Os direitos sexuais e reprodutivos dizem respeito a temáticas que reúnem apoio majoritário na comunidade internacional. O Brasil se afastou do consenso que ajudou a construir desde os anos 1990 ao rejeitar direitos sexuais e reprodutivos e votar contra uma resolução na ONU sobre educação sexual.
Com o alinhamento a países em que as mulheres não têm vez nem voz, nossa diplomacia enfraquece as políticas de empoderamento. É hora de deixar de lado o fundamentalismo extremista e refletir uma posição equilibrada, com consciência de que o Brasil tem responsabilidade de contribuir para eliminar a discriminação de gênero e de orientação sexual, que são fontes de exclusão, violência e intolerância.
Bruna Furlan
Deputada federal (PSDB-SP) desde 2011
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