Ao ser inquerido sobre as posições do Brasil a respeito de
gênero, na Comissão de Seguridade Social e Família, da Câmara dos Deputados,
o chanceler
Ernesto Araújo assumiu tom histriônico e acusou as esquerdas de se
apropriarem de boas causas, como é o caso dos direitos das mulheres, para
pervertê-las, semeando a degradação moral. A fala do ministro, proferida no
último dia 8 de agosto, chocou parlamentares presentes na audiência.
Para Ernesto Araújo, o termo gênero
se refere apenas ao sexo biológico masculino e feminino, ao passo que os
chamados direitos sexuais e reprodutivos da mulher, consagrados em documentos
da ONU, seriam um eufemismo para a promoção do aborto.
Nesse contexto, culpou a ideologia
de gênero pelo crime bárbaro contra o menino Rhuan,
em Brasília, assassinado pela própria mãe e sua companheira.
Os direitos sexuais e reprodutivos, na visão do chanceler,
seriam a lâmina de gilete no meio de um bolo apetitoso. Na metáfora esdrúxula
empregada na ocasião, o bolo representaria os direitos das mulheres, enquanto a
gilete seria a agenda abortista escondida por trás de termos como direitos
sexuais e reprodutivos.
O ministro das
Relações Exteriores se equivoca ao adotar um fundamentalismo
regressivo e obscurantista. Crimes citados por Araújo não têm origem em
qualquer ideologia de gênero. Outros semelhantes são cometidos por membros
aparentemente respeitáveis de famílias tradicionais, mas isso não passa pela
cabeça do chanceler templário, que demonstra desapego a dados, estatísticas ou
evidências.
Cego por sua ideologia tributária da Idade Média, o ministro
usa um caso que gerou comoção para condenar por tabela os casais homossexuais.
Esses casais, quando optam por terem filhos, como quaisquer pais e mães, também
desejam oferecer-lhes um ambiente harmonioso e acolhedor.
O insulto seria motivo de grande escândalo em qualquer país
ocidental que ele tanto admira, mas não no Brasil de hoje, ao que parece. Como
se não bastasse, o chanceler joga fora o bebê com a água do banho ao atacar os
direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. A ONU, Ernesto Araújo esqueceu-se
de mencionar, não trata de aborto, já que o tema é da alçada de cada país e não
reuniria consenso internacional.
Os direitos sexuais e reprodutivos dizem respeito a
temáticas que reúnem apoio majoritário na comunidade internacional. O Brasil se
afastou do consenso que ajudou a construir desde os anos 1990 ao rejeitar
direitos sexuais e reprodutivos e votar contra uma resolução na ONU sobre
educação sexual.
Com
o alinhamento a países em que as mulheres não têm vez nem voz, nossa
diplomacia enfraquece as políticas de empoderamento. É hora de deixar de lado o
fundamentalismo extremista e refletir uma posição equilibrada, com consciência
de que o Brasil tem responsabilidade de contribuir para eliminar a discriminação
de gênero e de orientação sexual, que são fontes de exclusão, violência e
intolerância.
Bruna Furlan
Deputada federal (PSDB-SP) desde 2011
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