terça-feira, 3 de setembro de 2019

ATAQUE AOS BANCOS CENTRAIS

Gustavo Loyola, Valor Econômico
Em recente artigo, Bill Dudley, que foi vice-chairman do Fed de Nova York, opinou que qualquer estímulo adicional do Fed encorajaria Trump a ser mais agressivo em sua política comercial e traria prejuízos maiores à economia dos EUA no longo prazo. Essa opinião mereceu uma imediata resposta oficial do Fed no sentido de que considerações políticas não têm qualquer espaço em suas decisões de política monetária. Por si só, o fato de o Fed ter se preocupado em reagir de forma não usual a uma manifestação de um seu ex-dirigente indica o elevado grau de pressão a que a instituição está submetida nesses tempos “trumpianos”.
Bancos centrais na mira de políticos eleitos não é novidade. Muito ao contrário. O inusitado do momento atual é que tal prática tem proliferado até em países tidos como institucionalmente mais desenvolvidos e coincide com o surgimento de políticos populistas como Donald Trump, Matteo Salvini e outros. O presidente americano tem sido pródigo em ataques ao Fed, que acusa de manter as taxas de juros excessivamente elevadas. Chegou até a ameaçar de demissão o chairman do Fed, Jerome Powell. No continente americano, até recentemente ataques e ameaças do gênero aos bancos centrais ocorriam apenas ao sul do Rio Grande.
Vale recordar que a ideia de que os bancos centrais necessitam de autonomia está de há muito consagrada na literatura econômica, embora muito frequentemente se alerte para o risco de um déficit democrático caso a autoridade monetária não tenha a necessária “accountability” perante os governantes eleitos e o parlamento, legítimos detentores do mandato popular. Por autonomia do banco central, entende-se principalmente sua capacidade de operar a política monetária longe das interferências políticas. Com isso, são evitadas decisões que satisfazem interesses eleitorais no curto prazo à custa de maiores custos no longo prazo.
De fato, a capacidade de os bancos centrais fixarem a taxa de juros é uma arma poderosa que lhes permite gerar surtos breves de crescimento, sacando contra o futuro da economia. Sua blindagem institucional, portanto, visaria evitar a ocorrência de tais comportamentos.
A conveniência da autonomia dos bancos centrais também se respalda em evidência colhida em vários trabalhos acadêmicos ao longo de várias décadas. Nesse sentido, por exemplo, Alex Cukierman em “paper” publicado em 2008, sumariando 25 anos de pesquisa a respeito do tema, menciona que a evidência empírica é consistente com a conclusão de que inflação e autonomia dos bancos centrais são negativamente correlacionadas, tanto em países desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento.
Se os bancos centrais independentes tiveram tanto sucesso em manter a inflação baixa, então porque viraram alvo predileto de políticos populistas, como Donald Trump? Minha resposta é que, essencialmente, eles se tornaram vítimas de seu próprio sucesso em domar a inflação a partir dos anos 1990. Toda a teoria sobre autonomia dos bancos centrais foi cunhada durante um tempo onde a inflação era o maior problema macroeconômico enfrentado nas principais economias globais e quando ainda eram frescas as cicatrizes históricas de períodos de hiperinflação em países como a Alemanha. Com o longo período de inflação baixa, o risco inflacionário gradualmente foi se tornando distante e, com isso, a ideia da autonomia dos bancos centrais vem perdendo força na sociedade, nos países desenvolvidos. De certa forma, até os mercados abandonaram os bancos centrais à sua própria sorte diante dos ataques populistas, haja vista a placidez com que receberam as críticas de Trump ao Fed.
Para piorar a situação, numa situação em que as taxas juros estão na vizinhança de zero nas economias desenvolvidas, há uma crescente percepção entre economistas de matizes diversos dos limites da política monetária para lidar com os riscos de uma recessão que parece se avizinhar das principais economias do globo. Essa visão é compartilhada tanto por aqueles que pensam, como Larry Summers, que estamos hoje diante do fenômeno da estagnação secular, quanto pelos adeptos da MMT (“Modern Monetary Theory”), para os quais a independência dos bancos centrais não faz sentido algum.
Contudo, é importante chamar a atenção que os problemas do Brasil são distintos. No momento em que começa a tramitar no Congresso Nacional o projeto de lei concedendo mandatos aos dirigentes do Banco Central, é de fundamental importância que nossos políticos busquem olhar mais para a tragédia inflacionária que assola alguns de nossos vizinhos do que para a calmaria dos preços que caracteriza as economias desenvolvidas nas últimas décadas. Vale lembrar a eles que uma das razões do provável fracasso eleitoral de Macri na Argentina é certamente sua excessiva tolerância com a inflação e a opção equivocada pelo gradualismo em seu combate.
*Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central e é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo.
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