Em recente artigo, Bill Dudley, que foi vice-chairman do Fed
de Nova York, opinou que qualquer estímulo adicional do Fed encorajaria Trump a
ser mais agressivo em sua política comercial e traria prejuízos maiores à
economia dos EUA no longo prazo. Essa opinião mereceu uma imediata resposta
oficial do Fed no sentido de que considerações políticas não têm qualquer
espaço em suas decisões de política monetária. Por si só, o fato de o Fed ter
se preocupado em reagir de forma não usual a uma manifestação de um seu
ex-dirigente indica o elevado grau de pressão a que a instituição está
submetida nesses tempos “trumpianos”.
Bancos centrais na mira de políticos eleitos não é novidade.
Muito ao contrário. O inusitado do momento atual é que tal prática tem
proliferado até em países tidos como institucionalmente mais desenvolvidos e
coincide com o surgimento de políticos populistas como Donald Trump, Matteo
Salvini e outros. O presidente americano tem sido pródigo em ataques ao Fed,
que acusa de manter as taxas de juros excessivamente elevadas. Chegou até a
ameaçar de demissão o chairman do Fed, Jerome Powell. No continente americano,
até recentemente ataques e ameaças do gênero aos bancos centrais ocorriam
apenas ao sul do Rio Grande.
Vale recordar que a ideia de que os bancos centrais
necessitam de autonomia está de há muito consagrada na literatura econômica,
embora muito frequentemente se alerte para o risco de um déficit democrático
caso a autoridade monetária não tenha a necessária “accountability” perante os
governantes eleitos e o parlamento, legítimos detentores do mandato popular.
Por autonomia do banco central, entende-se principalmente sua capacidade de
operar a política monetária longe das interferências políticas. Com isso, são
evitadas decisões que satisfazem interesses eleitorais no curto prazo à custa
de maiores custos no longo prazo.
De fato, a capacidade de os bancos centrais fixarem a taxa
de juros é uma arma poderosa que lhes permite gerar surtos breves de
crescimento, sacando contra o futuro da economia. Sua blindagem institucional,
portanto, visaria evitar a ocorrência de tais comportamentos.
A conveniência da autonomia dos bancos centrais também se
respalda em evidência colhida em vários trabalhos acadêmicos ao longo de várias
décadas. Nesse sentido, por exemplo, Alex Cukierman em “paper” publicado em
2008, sumariando 25 anos de pesquisa a respeito do tema, menciona que a
evidência empírica é consistente com a conclusão de que inflação e autonomia
dos bancos centrais são negativamente correlacionadas, tanto em países
desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento.
Se os bancos centrais independentes tiveram tanto sucesso em
manter a inflação baixa, então porque viraram alvo predileto de políticos
populistas, como Donald Trump? Minha resposta é que, essencialmente, eles se
tornaram vítimas de seu próprio sucesso em domar a inflação a partir dos anos
1990. Toda a teoria sobre autonomia dos bancos centrais foi cunhada durante um
tempo onde a inflação era o maior problema macroeconômico enfrentado nas
principais economias globais e quando ainda eram frescas as cicatrizes
históricas de períodos de hiperinflação em países como a Alemanha. Com o longo
período de inflação baixa, o risco inflacionário gradualmente foi se tornando
distante e, com isso, a ideia da autonomia dos bancos centrais vem perdendo
força na sociedade, nos países desenvolvidos. De certa forma, até os mercados
abandonaram os bancos centrais à sua própria sorte diante dos ataques
populistas, haja vista a placidez com que receberam as críticas de Trump ao
Fed.
Para piorar a situação, numa situação em que as taxas juros
estão na vizinhança de zero nas economias desenvolvidas, há uma crescente
percepção entre economistas de matizes diversos dos limites da política
monetária para lidar com os riscos de uma recessão que parece se avizinhar das
principais economias do globo. Essa visão é compartilhada tanto por aqueles que
pensam, como Larry Summers, que estamos hoje diante do fenômeno da estagnação
secular, quanto pelos adeptos da MMT (“Modern Monetary Theory”), para os quais
a independência dos bancos centrais não faz sentido algum.
Contudo, é importante chamar a atenção que os problemas do
Brasil são distintos. No momento em que começa a tramitar no Congresso Nacional
o projeto de lei concedendo mandatos aos dirigentes do Banco Central, é de
fundamental importância que nossos políticos busquem olhar mais para a tragédia
inflacionária que assola alguns de nossos vizinhos do que para a calmaria dos
preços que caracteriza as economias desenvolvidas nas últimas décadas. Vale
lembrar a eles que uma das razões do provável fracasso eleitoral de Macri na
Argentina é certamente sua excessiva tolerância com a inflação e a opção
equivocada pelo gradualismo em seu combate.
*Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, foi
presidente do Banco Central e é sócio-diretor da Tendências Consultoria
Integrada, em São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário