Jair Bolsonaro já não é aquele que assumiu. Os medos e fugas
que levaram a dar Paulo Guedes como o todo-poderoso, carta
branca a Sergio Moro, ao general Augusto Heleno a primeira e a última
palavras, e tantas outras fraquezas, não existem mais.
O rosto, em acelerado envelhecimento, assume uma firmeza de
mandante, o olhar endurecido, nada mais daquela figura de deslocado em um mundo
desconhecido.
Designar
o próprio filho, de capacitação improvada, para falar e agir pelo país no
centro de decisão global é uma atitude que simboliza, por si só, tudo o que é o
Bolsonaro agora possuído por sensações de poder, de hierarquia única e de
vontades impositivas.
Entramos na zona do perigo.
Quando esse Bolsonaro
diz que a imprensa, por criticá-lo, está cometendo suicídio, fala da
imprensa, mas sobretudo fala de si, da sua sensação de poder incontrastável. E
de uma vontade já manifestada por diferentes maneiras.
Está claro que Bolsonaro tem intenções bem definidas quanto
à liberdade de imprensa, assim como antes indicou e já restringe a criação
cultural. O risco causa na imprensa mais intimidação do que reação. E com a
falta de contraditório contribui para maiores ímpetos da hostilidade à
liberdade de expressão.
Prepara-se no Planalto um
indulto de policiais presos por crimes de morte e por envolvimento em
atividades ilegais. Com participação explícita ou velada, muitos desses
policiais são integrantes de milícias.
Em referência ao indulto desses "presos
injustamente", Bolsonaro chamou-os de "colegas". Seja qual for a
via do coleguismo, o indulto extemporâneo conjuga-se com as relações pessoais,
familiares e financeiras dos Bolsonaros com aquela próspera atividade e suas
cercanias. No mínimo, o indulto trará a consolidação de disposições milicianas
para o que der e vier.
O fogaréu
amazônico lançou a ira da opinião mundial contra Bolsonaro e, por
tabela, o desprezo pelo país passivo diante de sua tragédia. Mas, para
Bolsonaro, todo o fogo é bem-vindo.
O governo, por meio do ministro do Meio Ambiente, Ricardo
Salles, cortou 30% da verba orçamentária para prevenção e combate a queimadas
em florestas. O resultado dessas políticas antiambientais, antiamazônicas e
anti-indígenas está visível não só nas chamas e na fumaça.
Para um exemplo: na fogueira que hoje é o estado de
Rondônia, em 2018 as grandes queimadas decresceram 39%, somando 2.456. Da posse
de Bolsonaro até a semana passada, aumentaram 164%, chegando a 6.484, conforme
acompanhamento do respeitável Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Aí
está clara a culpa de Jair Bolsonaro, por indução verbal e facilitação
administrativa, pela ação incendiária que atinge, inclusive, reservas naturais
e reservas indígenas.
Bolsonaro já se dissera favorável à abertura da Amazônia
para empresas norte-americanas de exploração mineral. Especificou bem: não
empresas brasileiras, muito menos em geral, mas "americanas".
As queimadas,
portanto, abrem-lhe a oportunidade de avançar no seu plano. Primeiro,
manifestando o desejo de acordo com os Estados Unidos, e não com europeus, para
ação na Amazônia. Para logo continuar, aliás, repetindo-se: "Reservas
indígenas são prejudiciais ao progresso".
Era a trilha sonora para o embarque de Eduardo Bolsonaro e
do tradutor-ministro Ernesto Araújo rumo a Trump. Para uma conversinha fora da
agenda presidencial por urgência da necessidade ou, antes, da oportunidade.
O Bolsonaro que encaminha a entrega da Amazônia, não quer
matadores e milicianos presos "injustamente", avisa do
"suicídio" da imprensa, indispõe o Brasil pelo mundo afora, não se
mostra temeroso de objeção das chamadas instituições democráticas. De fato, por
sua atitude de espectadoras desinteressadas, não têm por que o preocupar. São coerentes
com a classe socioeconômica que as povoa.
E os militares, responsáveis, por ordem da Constituição,
pela legalidade nacional e pela soberania? Ora, a Constituição.
Janio de Freitas
Jornalista
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