O sonho de consumo não escondido por Jair Bolsonaro e seu QG
é uma reeleição em 2022 nos mesmos moldes da de 2018, anabolizada, se tudo
correr bem, por uma economia crescendo num ritmo entre 2,5% a 3% nos dois
últimos anos de governo.
E o que significa repetir o roteiro do ano passado? Manter a
militância engajada nas redes sociais, avançar com as pautas caras ao
bolsonarismo e, melhor dos mundos, disputar de novo contra o PT.
Há algumas incertezas quanto à possibilidade de se cumprir o
script. A performance da economia é a maior delas: não são poucos os
economistas que avaliam que, mesmo com o correto receituário de reformas,
desestatização e desburocratização sendo colocado em prática, pode faltar tempo
para que a economia (e, principalmente, o emprego) volte a girar num ritmo
capaz de dar à população a sensação de que a vida melhorou significativamente
sob Bolsonaro – condição importante para que haja a disposição de eleger um
presidente.
Outra dificuldade para que o plano corra conforme o
desenhado é que a polarização nos extremos canse a maioria do eleitorado e ele
busque uma opção no centro – compreendido como o espectro que vai da
centro-direita à centro-esquerda.
Isso claramente incomoda o bolsonarismo, que tem dedicado as
últimas semanas a fustigar eventuais opositores nesse campo. Luciano Huck e
João Doria Jr.apareceram na lista dos compradores de jatinhos subsidiados por
um programa do BNDES na era petista. A ideia parece ser matar adversários no
nascedouro, sem sutileza nem intenção de disfarçar os propósitos.
Doria desponta aí como a vítima mais óbvia: governador do
maior Estado do País, é quem detém maior estrutura partidária, um espaço de
atuação que permite comparação com a de Bolsonaro e aval de setores do
empresariado.
Ciente de que é alvo, o governador tem evitado bater boca
com o presidente, que usou até uma das recentes lives nas suas redes sociais
para atacá-lo, mas escorrega em algumas cascas de banana que Bolsonaro joga no
seu caminho, ao tentar associá-lo a pautas da esquerda.
Ao responder sobre o jatinho, em vez de responder que não
cometeu nenhuma ilegalidade e usou uma linha de crédito existente, tratou de
dizer que quer “distância” do PT, de Lula e de Dilma. Vestiu a carapuça.
Ontem, mandou suspender um material de ciências que falava
sobre questões como sexo biológico, identidade de gênero e orientação sexual
para alunos do 8.º ano da rede pública (13-14 anos), dizendo que seu governo
não admite “apologia” à “ideologia de gênero”, expressão esta sim eivada de
ideologia, usada pela direita sem amparo científico.
Reencarna nesses momentos o Bolsodoria, personagem que
inventou no segundo turno de 2018, quando passou apuros para vencer Márcio
França. Uma vez eleito, no entanto, vinha batendo na tecla de que é de centro,
não de centro-direita. Se insistir em replicar o léxico e as pautas da direita
quando provocado por Bolsonaro, corre o risco de o eleitorado dizer que, entre
o original e o genérico, fica com o primeiro.
Ainda mais se o centro repetir o erro de se dividir em
várias candidaturas. Huck, que fugiu da raia em 2018, parece mais empenhado
agora. Se cercou de nomes como o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga e
o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung e parece mais focado que Doria
em lançar já de saída uma pauta social robusta, capaz de falar aos corações do
eleitorado do Nordeste e de mais baixa renda, e de defesa da ciência, da
cultura e da educação, para resgatar certa classe média “iluminista” chocada
com a truculência bolsonarista nessas áreas.
Resta saber se tem couro grosso o bastante para o chumbo
grosso que vai começar a levar, desde já.
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