A próxima briga de Jair Bolsonaro pode ser com o Papa. Acuado pela reação do mundo diante das imagens
da floresta amazônica em chamas, o presidente e seus generais
tentam convencer a população que a Europa quer tomar a Amazônia do Brasil.
Apelam para o embolorado truque da “soberania nacional” para encobrir que os
alertas de desmatamento aumentaram 278% em julho e os focos de
incêndio triplicaram em agosto, comparados aos mesmos períodos de 2018. O
problema é que, ainda que as chamas se apaguem, as câmeras continuarão
apontadas para a floresta. Ao realizar o Sínodo da Amazônia, o Vaticano
colocará o tema no centro das atenções globais durante o mês de outubro. Em
carta divulgada em 30 de agosto, os bispos da região expressaram a tensão:
“Lamentamos imensamente que hoje, em vez de serem apoiadas e incentivadas,
nossas lideranças são criminalizadas como inimigos da Pátria”. No dia seguinte,
Bolsonaro confirmou que a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) está
monitorando o Sínodo, conforme divulgou o jornal O Estado de S. Paulo.
A Igreja Católica tem uma atuação forte na Amazônia. Padres
e freiras compreenderam que viver segundo o evangelho significa respeitar a
cultura dos povos da floresta e não convertê-los em outros como fizeram no
passado. A maioria das lideranças dos movimentos sociais foram formadas nas
pastorais da igreja. A missionária Dorothy Stang foi assassinada em 2005, em Anapu, a
mando de um consórcio de grileiros, por defender o uso social e sustentável da
terra por pequenos agricultores. Em 2018, seu sucessor, Padre Amaro Lopes, foi
preso. É um exemplo de como a ação da Igreja Católica confronta os interesses
daqueles que querem converter a floresta em boi, soja e minério.
Nos últimos anos, porém, os católicos vêm perdendo espaço. O
número de evangélicos neopentecostais têm crescido de forma acelerada nas
cidades da Amazônia e nas comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas. Mas
ainda que a maioria dos evangélicos tenha dado seu voto a
Bolsonaro, isso não significa apoio incondicional à sua política colonialista.
Algumas das mais aguerridas lideranças surgidas nos últimos anos na luta pela
floresta são evangélicas, o que impede uma leitura fácil de um fenômeno
complexo.
A política de destruição de Bolsonaro tem conseguido a
façanha de, ao mesmo tempo, afastar essa parcela emergente de lideranças
evangélicas e devolver ao palco lideranças católicas que começavam a perder
protagonismo, assim como garantir a renovação de ativistas ligados à Igreja. A
Romaria da Floresta deste ano, promovida em julho pela Comissão Pastoral da
Terra, revelou uma participação impressionante de jovens. A caminhada costuma
terminar no local onde Dorothy Stang foi assassinada com seis tiros. A placa
que marca o acontecimento, presa a uma árvore, está perfurada de balas. É neste
contexto que o Sínodo da Amazônia será realizado. Se o colapso climático
garantia as atenções do mundo para o Vaticano, a floresta em chamas multiplicou
a potência.
Em fevereiro, o Sínodo já era tratado pelo Governo como
ameaça à “segurança nacional”. Hoje, a paranoia se instaurou. Já que desta vez
Bolsonaro não pode usar sua aversão por mulheres como munição, como fez
com Emmanuel Macron ao atacar sua esposa Brigitte, resta
saber onde o ultradireitista vai mirar para dar um golpe baixo no Papa
Francisco.
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