Como tratar as declarações escatológicas do
presidente Jair Bolsonaro, que falam mais sobre sua psique do que sobre o
estado do mundo? O que fazer quando o segundo filho insinua que a democracia
não nos serve? E quando o terceiro desfila ostensivamente com uma arma na
cintura? Tais imagens devem ser publicadas?
As asneiras ditas e encenadas quase diariamente por
Bolsonaro e seu entorno colocam
a imprensa numa sinuca de bico. A missão do que os britânicos chamam de
"quality press" é dupla. Devemos, por um lado, destacar aquilo que
tem interesse público, sem nos perder nas irrelevâncias típicas do reino da
fofoca e menos ainda em psicoses privadas. Por outro, temos a obrigação de
registrar os principais acontecimentos do dia, em especial os fatos que dizem
respeito à política.
Nem sempre esses objetivos são compatíveis. Se os
jornais estampam em
suas primeiras páginas as opiniões pouco coerentes que um membro da família
presidencial tem sobre a democracia, fracassam na primeira meta; se deixam de
fazê-lo, malogram na segunda. É a definição clássica de dilema, em que qualquer
solução adotada se mostra contraditória e insatisfatória.
O problema não é novo. O que mudou é que, por força do
segundo objetivo, ficou muito mais difícil dar às bobagens a dimensão que elas
mereceriam pela régua do primeiro. Enquanto Bolsonaro era apenas um deputado do
baixo clero, as estultices que ele nunca deixou de proferir só ganhavam menção
na imprensa quando batiam algum recorde. Agora que ele é o presidente e
noticia-se até a evolução de seu trânsito intestinal, seria complicado aplicar
filtros estéticos, políticos ou até civilizacionais a suas declarações.
Não importa o que a mídia decida fazer, estará traindo algum
aspecto de sua missão. Erra-se um pouco menos, creio, mostrando o circo de
horrores como ele é e deixando que cada leitor tire suas próprias conclusões.
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando
Bem…".
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