O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro
Dias Toffoli, ao proferir o voto que mudou novamente a cambiante jurisprudência
da mais alta Corte, afirmou que não é a prisão após segunda instância que
resolve problemas de criminalidade e de impunidade, ou evita a prática de
crimes. No entanto, tal argumento retórico, defendido com forte emoção, não é
amparado por estudos científicos que fundamentam a política criminal da grande
maioria dos países.
Convém lembrar a Toffoli e aos demais ministros do STF, que
repetem acriticamente argumentos de advogados criminalistas muito bem
remunerados, que a hipótese sobre se a aplicação de punição severa (prisão) de
modo mais ágil contribui ou não para a diminuição da criminalidade é
empiricamente testável. Ou seja, tal hipótese pode ser considerada válida ou
inválida a partir de análise empírica.
Cesare Beccaria e Jeremy Bentham, que lançaram as bases da
criminologia nos séculos 18 e 19, respectivamente, entendiam o crime como
produto de decisão de cálculo racional. Infratores avaliam a probabilidade de
serem condenados e punidos, e quando ela é baixa se engajarão em mais práticas
criminosas. Ambos defenderam a tese de que as leis e as penas devem
desestimular indivíduos a cometer infrações, e que a prisão produz efeito
preventivo, inibindo comportamentos criminosos em toda a sociedade.
Mas foi o professor Gary Becker, da Universidade de Chicago,
que, em 1968, desenhou a análise criminal contemporânea, fomentando o
surgimento de literatura abundante que instrui as políticas públicas na Europa,
nos Estados Unidos e em outros países. Becker estabeleceu modelo matemático
internacionalmente reconhecido para avaliar a criminalidade, contribuição que
lhe valeu nada menos que o Prêmio Nobel de Economia em 1992.
O modelo de Becker usa variáveis sobre danos causados pelos
crimes, custos de apreensão e condenação dos criminosos, número de crimes e
formas de punição, entre outros fatores, para investigar as melhores políticas
públicas de combate à delinquência. Atualmente há consenso internacional entre
os estudiosos, amparado por estatísticas e metodologia científica, de que,
mantidas outras variáveis constantes, o aumento na probabilidade de condenação
e punição, em geral, repercute na redução do número de delitos.
Logo, dizer que a prisão após a decisão em segunda instância
não contribui para solucionar problemas de criminalidade e impunidade, como fez
Dias Toffoli, equivale a sustentar que a quimioterapia não auxilia no
tratamento do câncer. Ora, estudos com evidências empíricas comprovaram que a
quimioterapia é tratamento eficaz contra a doença, da mesma forma que foi
demonstrado que a prisão é solução eficaz contra a criminalidade.
O resultado do julgamento do STF do dia 7/11 coloca o Brasil
em posição isolada no mundo, conforme apontou estudo da subprocuradora-geral
Luiza Frischeisen, já que 193 dos 194 países da ONU adotam o início da execução
da pena de prisão após decisão judicial de primeiro ou de segundo grau.
Pesquisas de Steven Levitt, da Universidade de Chicago,
demonstram que a prisão impacta o crime em razão do efeito dissuasório sobre
potenciais agentes criminosos. Levitt e Daniel Kessler testaram os efeitos de
mudanças legais com incremento de penas de prisão para diversos crimes na
Califórnia e concluíram que elas acarretaram a diminuição de ilícitos nos anos
posteriores. Estudo de Siddhartha Bandyopadhyay analisou o impacto de
condenações e prisões na Inglaterra e no País de Gales e concluiu que as
prisões, no geral, fazem decrescer a criminalidade.
Becker também expôs que a probabilidade de condenação e
punição é relacionada à renda do criminoso. Ao reconhecer o poder econômico de
alguns litigantes, a literatura jurídica americana trata, cientificamente, de
temas que entre nós ainda são verdadeiros tabus.
Por exemplo, artigo de John Goodman no Journal of Legal
Studies já em 1978 argumentava que juízes podem ser persuadidos com os esforços
financeiros das partes ao defenderem as suas causas, por meio de investimentos
em pesquisa jurídica, contratação de advogados talentosos e argumentação mais
bem formulada. Goodman apresentou modelo matemático em que a probabilidade de
uma parte vir a ganhar um processo judicial dependerá do quantum em dinheiro
que cada parte gasta para usufruir a melhor defesa.
O autor identificou que o Direito pode evoluir de maneira
ineficiente para a sociedade quando os interesses da parte não refletirem os
custos e os benefícios sociais agregados que decorrem da norma jurídica que
está sendo questionada. Isso ocorre quando o resultado é bom para a parte, mas
ruim para a sociedade.
Paul Rubin e Martin Bailey argumentaram que advogados têm
interesse de longo prazo na jurisprudência resultante e exercerão pressão
contínua para que ela evolua a favor de teses jurídicas que beneficiem seus
clientes, atuando como grupo de interesses organizado. Os autores citam o caso
da evolução da jurisprudência criminal que enfatiza questões processuais,
assegurando a demanda por serviços advocatícios. Tal análise auxilia na
compreensão do resultado do julgamento histórico do STF, já que uma das ações
que suscitou a mudança jurisprudencial foi impetrada pela própria OAB.
Portanto, é de esperar que, dentre os cerca de 5 mil presos
que se podem beneficiar da decisão do STF, os que têm mais recursos financeiros
para despender na sua defesa perante o Judiciário sairão mais rapidamente da
prisão, como já se vem verificando. Nosso país apresenta cultura jurídica
retrógrada, que despreza análise empírica, embora ela explique a certeza da
impunidade para alguns e a insegurança jurídica em que vive a maior parte da
sociedade.
Nosso país apresenta cultura jurídica retrógrada, que
despreza a análise empírica
*DOUTORA EM DIREITO PELA USP, COM PÓS-DOUTORAMENTO NA
UNIVERSIDADE DO TEXAS, FOI PROFESSORA NAS UNIVERSIDADES DO TEXAS, CORNELL E
VANDERBILT, DIRETORA DO CENTRO DE DIREITO EMPRESARIAL DA YALE LAW SCHOOL E
PESQUISADORA EM STANFORD E YALE
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