Nos últimos anos, além de substituir os trabalhos mais
simples (de rotina), as novas tecnologias começaram a realizar muitas tarefas
dos profissionais de classe média. Para eles, a educação convencional deixou de
ser um passaporte para a ascensão social. Apesar de escolarizados, eles
passaram a descer na escala social por não conseguirem entrar nas poucas e
concorridas profissões sofisticadas de status mais alto.
O resultado final desse processo é a polarização do mercado
de trabalho. As tecnologias modernas abrem espaços para poucas pessoas subirem
na pirâmide social e fazem encolher as profissões de classe média. Ao fim,
muitos profissionais são forçados a descer.
Nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), 1 em cada 6 profissionais de classe média está tendo a sua
profissão eliminada pelas novas tecnologias. É um fenômeno que atinge liberais,
técnicos em várias áreas, chefes, supervisores e outros. A maioria desce na
escala social. Os que ainda resistem correm o risco de descer nos próximos anos
(OECD, Under pressure: the squeezed middle class, Paris: OECD, 2019).
Em pleno século 21, diz a OCDE, “o elevador social quebrou”
(OECD, A broken social elevator, Paris: OECD, 2018). É o reverso do que ocorreu
na segunda metade do século 20.
A polarização no mercado de trabalho agrava a desigualdade
de renda. Os salários têm crescido menos do que a produtividade do trabalho.
Para ser mais preciso, os salários têm aumentado no topo (para poucos), mas não
no meio e na base da pirâmide social.
A redução das oportunidades da classe média tem sido
contornada com os trabalhos atípicos, casuais, intermitentes, à distância, em
tempo parcial e outros da economia dos aplicativos (gig economy) que não
garantem o nível e a estabilidade de renda que as pessoas tinham quando eram de
classe média. Para ver isso no Brasil, basta conversar com um motorista de Uber
que é engenheiro e trabalhou até há pouco tempo como supervisor de produção
industrial.
Nos primeiros estudos que fiz sobre mobilidade social no
Brasil, cobrindo o período de 1940-1970, os dados da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílio (Pnad) registraram uma enorme ascensão social entre pais e
filhos. Uma parte decorria da migração rural para urbana. Outra, das pessoas
que subiam na escala social ao entrarem em cargos de status mais alto nas
empresas do novo surto industrial, nas multinacionais, nas estatais e no
sistema financeiro que se expandiram no período de 1950-1970.
O quadro atual é bem diferente. Como no resto do mundo, a
classe média brasileira está espremida. Entre os seus filhos adultos, poucos
chegaram à posição de seus pais. A maioria não tem a menor perspectiva de
ultrapassá-los. Para eles, a ascensão social está cada vez mais distante. Será
o novo normal?
A compressão da classe média gera muita frustração e explica
parte dos movimentos sociais que ocorrem em quase todo o mundo.
Por trás dos motivos alegados está o desânimo de quem vê sua
situação social estagnada e longe de melhorar. Com o agravante de que as redes
sociais fazem todos se sentirem mal ao mesmo tempo.
Penso que um estudo sobre mobilidade social nos dias atuais
mostrará o reverso do que foi o Brasil da segunda metade do século 20. O mesmo
ocorre nos países onde os movimentos sociais propelem os governos populistas. É
o lado inconsistente da modernidade. As pessoas não se conformam em descer na
escala social enquanto o setor produtivo progride e ganha eficiência.
Compreender as mudanças estruturais do mercado de trabalho é o maior desafio
para os governos e os cientistas sociais da atualidade.
*Professor da Fea-USP, membro da Academia Paulista de
Letras, é presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da
Fecomercio-SP
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