quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

RISCOS AMBIENTAIS ATRAVESSAM O ANO

Míriam Leitão, O GLOBO
Foram tantos desatinos ambientais ao longo de 2019 que é difícil esperar boas novas para o ano que vem nesta área. As estatísticas de desmatamento dos quatro meses de agosto a novembro já pertencem a 2020. E nesses meses a destruição aumentou 100%. Há para o ano que vem um enorme risco de novo desastre. “O Brasil entrou pequeno na COP 25 e saiu minúsculo”, diz um participante da Conferência. O ano ambiental do Brasil superou as piores expectativas, porque acreditava-se que o bom senso iria se impor num país que depende da boa imagem para ter mercados para o seu agronegócio.
No início do ano havia previsão de que a retórica agressiva e atrasada iria ceder, nem que fosse por cálculo. Não cedeu. Houve queimadas, aumento do desmatamento, fake news divulgadas pelo próprio governo, inação diante do desastre do petróleo nas praias, demissão injusta no INPE, briga com a ciência, incentivo a garimpeiros, leis generosas com grileiros, desmonte do Fundo Amazônia, morte de líderes indígenas e o país assumindo o papel de vilão na COP, que fora inicialmente prevista para ser realizada no Brasil.
A bancada ruralista comemorou o bom ano em que teve dois ministros da Agricultura e nenhum do Meio Ambiente. Em que liberou-se um volume de agrotóxico recorde, e várias leis aprovadas o beneficiaram. É vitória de curta duração e de visão estreita. O consumidor está mudando mais rapidamente do que se previa. Conversei com pessoas que foram a Madri e que são veteranas em conferências do clima. O que eles disseram é que a vibração e a mobilização da sociedade ficou muito mais intensa desta vez. Não é onda passageira, por causa do encontro, tanto que a expressão “emergência climática” foi um dos termos mais usados em 2019.
— A mudança parece vir de baixo. Havia uma força e um grito em uníssono nesses grupos de manifestantes que nunca tinha visto antes. A junção de jovens, indígenas, povos tradicionais foi muito provocadora — afirma uma dessas pessoas.
Um dos avanços em outras COPs ocorreu no setor empresarial, que há tempos tem vozes cada vez mais eloquentes em defesa de uma forma de produção de menor impacto ao meio ambiente. O mundo dos negócios já está fazendo sua transição e as vozes das ruas estão cada vez mais fortes. Tudo isso se transformará em decisões dos consumidores que afetam o consumo de produtos que venham de países vistos como sendo os vilões do clima.
Os argumentos que o governo de Bolsonaro apresentou para enfrentar as críticas ao Brasil foram os feitos dos governos anteriores, exatamente aqueles que ele vive criticando. Foi no período de 2004 a 2012 que o país derrubou fortemente o desmatamento e isso é que nos dá números bons comparados a 2005, ano usado nas estatísticas de avanço. O problema é o momento presente e as projeções para o futuro imediato.
A COP 25 tinha a tarefa de preparar o caminho para que em Glasgow fosse discutido um aumento das ambições dos países no combate aos efeitos da mudança do clima. O resultado foi frustrante. Os cientistas estão alertando que no cenário atual o mundo terá uma elevação de temperatura de três graus e estão avisando sobre o perigo de aproximação do ponto crítico para a Amazônia. O fracasso da reunião em Madri torna mais importante ainda a COP 26. E como o Brasil chegará a Glasgow? O país perdeu completamente a liderança que teve e foi objeto de chacota, como ocorreu quando o ministro Ricardo Salles disse que a Alemanha havia “topado” o novo formato do Fundo Amazônia, e foi imediatamente desmentido pela Alemanha. Salles foge dos fatos, dos dados e da realidade com grande frequência, mas fez isso numa reunião internacional. “Foi uma vergonha escancarada”, disse um dos participantes.
Mais importante do que saber de que forma estaremos numa reunião da ONU, se do lado da solução ou do lado do problema, é fortalecer as instituições para a proteção dos mais afetados por essa política desatinada no meio ambiente. Hoje já se sabe que as agendas da justiça social e da justiça ambiental se tornaram uma só. Os mais frágeis sofrem mais diretamente os efeitos dos extremos do clima. No caso do Brasil, há um risco mais imediato: o destino dos povos indígenas.
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