A reforma tributária está cheia de fio solto, na opinião da
economista Zeina Latif. Como apresentar um projeto é muito complexo técnica e
politicamente, o governo vai soltando ideias esparsas, como a de que “vamos
fazer a CPMF ou algo que o valha”. O economista Bráulio Borges concorda que o
novo imposto falado pelo ministro Paulo Guedes é uma CPMF que não quer dizer
seu nome. Ele acha que é preciso “trazer todos os elementos da reforma ao mesmo
tempo”.
Entrevistei Zeina, da XP, e Braulio, da LCA e da FGV, para
um balanço de fim deste 2019. Ela acha que este foi um ano curioso pelas
mudanças de humor, ao longo dos meses:
— Começou, de uma forma geral, com uma expectativa muito
grande em relação ao crescimento do PIB, consenso de mercado era de 2,5% de
alta, muitas casas falavam em 3% e 3,5%, e que haveria uma agenda ambiciosa de
reformas e muitas privatizações. Ainda no primeiro semestre as expectativas
foram se adequando à dura realidade. Isso gerou um certo pessimismo, mas no
segundo semestre a gente viu a economia ganhando tração.
De balanço bom do ano, segundo Zeina Latif, tem as surpresas
positivas com a inflação, o efeito no mercado de crédito do longo ciclo de
redução dos juros iniciado por Ilan Goldfajn:
— O que a gente percebeu foi que aos poucos esse ciclo foi
avançando, as empresas foram melhorando seus indicadores e o crédito está
fluindo. Está havendo uma recuperação da demanda e do consumo das famílias, e o
investimento está voltando aos poucos.
Bráulio destaca que a sensação de bem-estar da sociedade é
muito fraca ainda. Ele chama de “pífia” a recuperação:
— Este foi o terceiro ano de frustração grande em relação ao
que se esperava. No começo de cada ano, as projeções eram de 2% a 2,5%, até 3%,
mas não foi o que aconteceu. No final, ficou no 1,2%. Como em 2019. É uma
sequência de frustrações. Mas estou mais otimista para 2020 porque a construção
civil, que foi o grande patinho feio, caiu quase 30% nesta crise, finalmente
está em recuperação. A liberação do FGTS vai explicar parte do crescimento do ano.
Braulio acha que 2020 será diferente pela soma de vários
fatores. A ociosidade está muito alta, o desemprego, também, e o país pode se
recuperar sem pressão inflacionária. A utilização de capacidade da indústria
está em 75%. Esse será o ponto de partida, com uma taxa de inflação baixa e os
estímulos da política econômica como a liberação do FGTS:
— Dá para ter certeza maior agora de um crescimento de 2% a
2,5% no ano que vem. Mas não dá para sustentar esse ritmo por cinco ou dez anos
sem fazer reformas estruturais.
Os dois economistas acham que mesmo com o PIB crescendo o
desemprego permanecerá alto. Bráulio fala em desemprego estrutural de 9%. Zeina
Latif fala em 10,5%. Do ponto de vista social, taxas tão altas por tanto tempo
são um grave problema. Zeina alerta que é preciso acelerar o crescimento:
— Não podemos crescer tão pouco. Vale lembrar que 60% da
população vivem com até um salário mínimo. Precisamos acelerar o crescimento. A
indústria crescendo tão pouco já é uma dica. Há capacidade ociosa, mas tem
muita máquina defasada, velha. São empresas médias, com máquinas
desatualizadas, segurando nas costas o custo Brasil. E isso está se refletindo
na piora da balança comercial. Então não tem jeito, ou a gente acelera e é
ambicioso no avanço das reformas estruturais ou vamos ter uma decepção virando
a esquina.
Bráulio chama a reforma tributária de “a mãe de todas as
reformas”, e o governo esta semana diz que fará apenas sugestões para uma
comissão mista do Congresso.
— Falta uma proposta mais objetiva, mais clara de mostrar
impactos e não simplesmente lançar ideias no ar, como disse a Zeina. Este tema
nos acompanha há 20 anos. Há muitos assuntos complexos nos vários impostos. Mas
é importante trazer todos esses elementos. Não pode haver uma redução de carga
tributária, mas se o sistema for menos complicado já trará um enorme ganho. E é
preciso discutir uma realocação de carga tributária, que gera resistência dos
setores.
Como disse Zeina, as pontas soltas são porque o governo fala
sobre uma parte de cada vez, quando deveria falar de como quer reformar toda a
complexa estrutura de impostos do país. “Colocar num Power Point é fácil”, diz
ela. O difícil é enfrentar a complexidade técnica e política de uma reforma
tributária. E essa o governo ficou devendo em 2019.
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