A impositiva mudança de rumo na História do Brasil passa
necessariamente pela refundação do Estado. Para entrarmos no trilho que nos
poderá levar a um caminho de prosperidade compatível com nossas potencialidades
é preciso reconstruir a máquina governativa, que, ao longo dos séculos, dá
prioridade ao patrimonialismo e ao privilégio, desviando-nos do caminho da
igualdade de oportunidades, da inclusão social e do desenvolvimento
socioeconômico sustentável.
A dramática realidade de desigualdade e baixa mobilidade
social remonta a uma sociedade constituída sobre o colonialismo e o
escravagismo. Construímos um país que ostenta distância abissal entre quem tem
acesso à instrução e aos bens e serviços do progresso e os empobrecidos que
quase nada têm para subsistir e cuja possibilidade de ascender a outra posição
socioeconômica é quase nula.
Isso tem muito que ver com a estrutura de Estado que vem
sendo historicamente montada. Para não nos afastarmos muito na linha do tempo,
basta olhar para o getulismo, a ditadura militar e a Constituinte de 1988 e
perceberemos o vulto fortalecido de um Estado concentrador de renda e de
oportunidades, e perversamente promotor de desigualdades.
Neste modelo injusto de organização governativa se sustentam
desde a oferta precária da educação básica, passando pela constituição de
insustentáveis sistemas tributário e previdenciário, até a manutenção de
inconcebíveis privilégios em corporações/carreiras de Estado.
Entendo que chegamos ao término desse ciclo. Estamos num fim melancólico produzido por absoluta crise de sustentabilidade fiscal. Não há recursos públicos suficientes para financiar este modelo de Estado, caro, injusto e ineficiente.
Entendo que chegamos ao término desse ciclo. Estamos num fim melancólico produzido por absoluta crise de sustentabilidade fiscal. Não há recursos públicos suficientes para financiar este modelo de Estado, caro, injusto e ineficiente.
Os nefastos efeitos socioeconômicos dessa desvirtuosa
estrutura governativa se somam a uma série de fatores contingenciais e o que
tivemos em 2018 foi um processo eleitoral esvaziado da política em seu sentido
estrito. Ao se avizinharem as eleições municipais de 2020, soam os alarmes da
emergência democrático-republicana.
O Brasil, depois de um ciclo de potente crescimento, originado
com o Real e dinamizado pelo boom das commodities, entrou em grave recessão.
Com o equivocado manejo da política econômica aprofundando a crise de
2008-2009, vivemos uma brutal crise no emprego e na geração de renda,
incrementando a tragédia nacional das camadas historicamente marginalizadas da
população. Some-se a essa cena o déficit de lideranças políticas que vem
assolando o País já há algum tempo. Há um vazio crescente na seara de líderes
que pensem, formulem e inspirem a modernização do Brasil em termos
contemporâneos nos aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais.
Deve-se, ainda, inserir nesse rol de complexidades a crise,
vivida planetariamente, da democracia liberal, em tempos de alta conectividade
digital em rede. Como bem formulado por Manuel Castells, “na raiz da crise de
legitimidade política está a crise financeira, transformada em crise econômica
e do emprego, que explodiu nos EUA e na Europa no outono de 2008”.
Como diz o pensador, essa crise política é global, mas
também tem colorações nacionais. A brasileira, por exemplo, agravou-se
assustadoramente por uma série de equívocos na gestão de políticas econômicas
em ambiente atravessado por práticas de corrupção endêmicas. Esse conjunto
explosivo nos jogou no fosso da mais grave recessão econômica de nossa História
e só ampliou o descrédito da política.
Assim, nesse turbilhão de fatores desconcertantes da vida
nacional, tivemos um processo eleitoral que não debateu o País, suas questões e
suas oportunidades. Em vez de política genuína, tivemos embates de extremismos
com conteúdos desimportantes para a cidadania e o desenvolvimento, dinamizados
por redes sociais alimentadas por fake news, ódio e intolerância.
Olhar para a frente é buscarmos eleições em 2020 dignas de
serem chamadas de republicanas, centradas que devem ser em ideias e em meios de
se fazer prevalecer o bem-estar e o interesse comum. Mirar um futuro diferente
do presente e muito distanciado do passado é incrementar os passos reformistas.
Nessa impositiva caminhada de reinvenção
democrático-republicana nacional, precisamos fazer avançar as reformas
estruturantes do Estado. É necessário reconstruir nossa máquina governativa, em
todos os seus estratos. É preciso mudar a vocação de nosso Estado, fazendo de
suas principais potencialidades não a promoção de privilégios e desigualdades,
mas a indução de prosperidade para todos.
Precisamos que a reforma vá além de ajustes no mapa de
arrecadações e responsabilidades governativas. Temos um Estado ineficiente para
comprar, contratar e remunerar. Precisamos modernizar as máquinas de governo,
dando-lhes capacidade de resposta, possibilitando-lhes agilidade nas entregas e
fixando custos compatíveis com a realidade brasileira.
É necessário digitalizar os governos, promovendo o
reencontro do modus operandi das institucionalidades com o modus vivendi da
sociedade, infundindo eficiência e resolutividade às máquinas públicas e
conectando os governos ao mundo em que o universo da produção já opera há
muito.
Noutra frente, é preciso que se estabeleça um estável
ambiente jurídico-normativo que inspire e torne viável o incremento da
participação de empreendedores nacionais e estrangeiros, incluindo parcerias
público-privadas, na dinamização da economia nacional.
Na urgente jornada de reinvenção da História brasileira,
esse conjunto de reformas modernizantes do Estado é passo decisivo para que
tomemos um caminho cujo horizonte seja um País contemporâneo do nosso tempo,
verdadeiramente democrático e republicano, digno de nossas possibilidades de
desenvolvimento humano e econômico, uma Nação de justiça social e inclusão autônoma
e produtiva.
*Economista, presidente executivo da Indústria Brasileira de
Árvores (IBÁ), membro do Conselho do Todos Pelaeducação, foi governador do
Estado do Espírito Santo (2003-2010 e 2015-2018)
Nenhum comentário:
Postar um comentário