O setor do agronegócio dos Estados Unidos é o que mais está
sentindo o efeito da guerra comercial criada pelo presidente Trump contra a
China. Por isso, ontem, ele inventou um inimigo externo, tática que sempre usa
para camuflar seus erros. Desta vez, o inimigo somos nós. E conosco, por
ironia, está a Argentina. Os dois países estariam, na delirante explicação de
Trump, desvalorizando a moeda deliberadamente para aumentar suas exportações. E
de novo mira no aço e no alumínio que já enfrentaram barreiras no governo dele.
Esse é o estilo Trump. Ele cria uma crise contra outros
países, dá aos produtores americanos a impressão de que está agindo, e depois
faz da retirada do problema, que ele mesmo criou, a sua vitória. Caberá à
diplomacia brasileira defender os interesses do Brasil. Ela poderá constatar
neste caso o que tem sido dito por todos os analistas que entendem de
diplomacia e de comércio exterior, sobre a natureza das relações
internacionais.
O que Trump mostrou ontem ao governo Bolsonaro é que países
têm interesses e não amigos ideológicos. A resposta de Bolsonaro de que ligaria
para ele porque são amigos é patética, tanto que no final do dia já tinha
recuado. É preciso ter uma resposta formulada de maneira estratégica. Trump
tudo faz de caso pensado e numa entrevista, depois dos ataques matinais no
Twitter, voltou a falar contra o Brasil, argumentando que a desvalorização
cambial estaria sendo “muito injusta para os nossos industriais e muito injusta
para os nossos fazendeiros”.
O que Trump quer? Provavelmente ele está incomodado com a
queda da exportação do agronegócio americano para a China, especialmente grãos
e proteína animal. Parte da queda se explica pela retaliação chinesa à guerra
que Trump iniciou. O governo americano chegou a elevar muito os subsídios à
soja, o que desorganiza o mercado. Trump cria um caso na expectativa de falar
para o seu público e depois exigir algo. A tática é pôr o bode na sala e depois
pedir algo para tirar o bode.
Se ele quiser qualquer coisa que seja autolimitação das
exportações do agronegócio para outros países será inaceitável. Mas com Trump é
preciso sempre esperar pelo pior.
Nos ataques ao Brasil e à Argentina ontem, o presidente
Donald Trump está tentando confundir uma vez mais. Ele fez referência aos
produtores agrícolas antes de dizer que elevaria as tarifas do aço e do
alumínio. Em um dos tweets, ele disse que deu uma grande redução de tarifas ao
Brasil. Mentira. Ele elevou as tarifas, e depois recuou do aumento mas impôs
cotas ao Brasil. Os exportadores de aço aceitaram essa limitação quantitativa e
as exportações caíram este ano 16%. Ou seja, a desvalorização do real nem poderia
ajudar a estimular a exportação porque tem um limite físico.
O dólar tem subido no mundo inteiro por inúmeros fatores, e
um deles é a incerteza que Trump cria. O Brasil tem outros problemas internos,
e a Argentina, ainda mais. Lá, houve inclusive um acordo entre o governo que
sai e o governo que entrará no dia 10 de dezembro para impedir a continuação da
desvalorização. Eles impuseram aos argentinos o “cepo”, uma restrição de acesso
à moeda americana.
Nada do que Trump disse ontem fica em pé. Ele nada tem a
reclamar do Brasil, que nos últimos anos acumulou muito déficit na comércio com
os EUA. No ano passado, em dez meses, houve um pequeno superávit para o Brasil,
de US$ 50 milhões. Este ano, o superávit dos Estados Unidos está em US$ 1,1
bilhão. Ao mesmo tempo, a exportação brasileira para a China recuou US$ 1,6
bilhão e o saldo comercial encolheu em US$ 1,8 bi. A exportação de soja do
Brasil para a China recuou 26% em valor, ou US$ 6,2 bilhões, e o volume teve
queda de 16%. A corrente de comércio com a China caiu de US$ 83 bilhões de
janeiro a outubro de 2018 para US$ 81 bilhões no mesmo período de 2019. Este
ano, por sinal, tem sido de queda do comércio internacional, por culpa de
Trump.
O real não está sendo desvalorizado para estimular a
exportação, e os números não mostram qualquer sinal de “comércio injusto” por
parte do Brasil. A ironia de tudo isso é que a diplomacia de Bolsonaro estava
brigando com a Argentina e declarando I love you para Trump. Agora está de cara
com a realidade dos fatos: Brasil e Argentina estão no mesmo barco enfrentando
o protecionismo americano e a acusação injusta de estarem manipulando o câmbio
para ganharem no comércio internacional.
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