Notável geógrafo, o falecido professor Milton Santos era um
observador arguto da vida banal nas periferias do mundo, ou seja, o dia a dia
dos cidadãos afetados pela globalização, com suas desigualdades e grande
exclusão. Dedicou a vida a analisar sua época, com um olhar crítico sobre o
atual modelo de relações internacionais, constituído entre 1980 e 1990, e que
está sendo posto em xeque tanto no centro como nas periferias do mundo.
Sua geografia desenvolveu novos conceitos sobre espaço,
lugar, paisagem e região, nos quais o fator humano tem um papel central. Sempre
pôs uma lupa no uso político dos territórios para compreender o
desenvolvimento. Teria hoje 93 anos se fosse vivo e, com certeza, do alto da
pilha dos seus 40 livros publicados e com o prestígio de doutor honoris causa
em mais de 20 universidades do mundo, seria mais uma voz a subir o tom diante
da tragédia deste fim de semana em Paraisópolis, a maior favela de São Paulo.
Dizia que a captura das políticas públicas pelos grandes
interesses privados acaba por deixar ao relento o cotidiano da população de
baixa renda, que se vê obrigada a buscar alternativas de sobrevivência numa
espécie de beco sem saída social, porque esses interesses estavam mais voltados
para o lucro do que para os objetivos das políticas urbanas e sociais. Segundo
ele, a vida banal é desprezada pelo poder público e, no espaço urbano onde essa
ausência é maior, surgem as soluções improvisadas, as transgressões e a
economia informal (o gás, a gambiarra, o gatonet, a proteção a agiotagem etc.),
que muitas vezes acaba capturada pelo crime organizado, que achaca, chantageia
e mata, seja ele o tráfico de drogas, sejam as milícias.
O que deseja um cidadão das periferias? Projetar seu próprio
futuro, vislumbrar perspectivas dignas da existência, expressar sua maneira de
entender o mundo, seja por meio de crenças, manifestações culturais ou práticas
sociopolíticas. Ter qualidade de vida, viver num ambiente agradável e
sustentável, provido de água, esgoto, energia e meios de comunicação na medida
adequada, com assistência médica, acesso à educação e à cultura, meios de
transporte e um sistema de abastecimento adequado.
Agrega-se a isso o acesso ao entretenimento e ao lazer, que
também são as aspirações da maioria dos jovens brasileiros, porém, para parcela
considerável deles, principalmente nas periferias, são inatingíveis. De certa
forma, isso se reflete na cultura de periferia, no hip-hop, no funk, nos bailes
de charme, no slam e no passinho. Como as políticas públicas não chegam às
periferias na escala necessária, é natural que essas manifestações culturais
fomentem a economia informal que dela se retroalimenta, do ambulante que vende
água mineral, cerveja e destilados aos traficantes que distribuem a maconha, a
cocaína e o crack para animar a festa, como também ocorre na maioria das
“raves” de classe média, sem que a polícia toque o terror.
Economia criativa
Sem ironia, cada território tem a sua própria “economia criativa”. Festas de funk como o Baile da 17, em Paraisópolis, no qual nove jovens morreram pisoteados na madrugada deste domingo, após uma ação da Polícia Militar, ocorrem em todas as comunidades de periferia das grandes cidades, principalmente São Paulo e Rio de Janeiro. Somente neste ano, foram realizadas 7,5 mil “Operações Pancadão” em São Paulo, nas quais foram efetuadas 874 prisões, 76 apreensões de adolescentes, apreensão de 1,8 tonelada de drogas e de 77 armas, de acordo com a corporação.
Sem ironia, cada território tem a sua própria “economia criativa”. Festas de funk como o Baile da 17, em Paraisópolis, no qual nove jovens morreram pisoteados na madrugada deste domingo, após uma ação da Polícia Militar, ocorrem em todas as comunidades de periferia das grandes cidades, principalmente São Paulo e Rio de Janeiro. Somente neste ano, foram realizadas 7,5 mil “Operações Pancadão” em São Paulo, nas quais foram efetuadas 874 prisões, 76 apreensões de adolescentes, apreensão de 1,8 tonelada de drogas e de 77 armas, de acordo com a corporação.
Era só uma questão de tempo uma tragédia como essa acontecer.
Ninguém tem dúvida de que a violência é um dos principais problemas da nossa
vida urbana, mas o endurecimento da política de segurança pública e o estímulo
à venda de armas como alternativa de autodefesa para a população não são uma
resposta à altura do problema. Além disso, a desconstrução das políticas
públicas voltadas para as periferias, principalmente na cultura e na educação,
contribui para agravar o problema. A repressão policial às manifestações
culturais da periferia não é eficaz, apenas amplia a base social do crime
organizado. Se fosse, depois de tantas operações, não existiria mais pancadão
em São Paulo. É preciso oferecer aos jovens das periferias alternativas
melhores para manifestações culturais, entretenimento e lazer. Bombas de gás lacrimogênio,
spray de pimenta, balas de borracha e muita porrada, como vimos em
Paraisópolis, só podem resultar em tragédias.
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