O bolsonarismo recorre com frequência à calúnia pusilânime a
fim de atiçar milicianos virtuais contra “inimigos do povo”. Depois de
introduzir um assunto com um “parece”, um “há suspeita”, Jair Bolsonaro costuma
avançar para uma acusação, que por sua vez seria prova de alguma conspiração
contra ele e o Brasil. Logo esquece que levantava apenas uma hipótese.
Bolsonaro pode ter escorregado para a calúnia estrita em seu
programa semanal ao vivo, na quinta passada. Afora difamações, acusou ativistas
ambientais e sociais do Pará de incendiarem a floresta. Sem evidência de crime
dos militantes, Bolsonaro terá cometido crime de calúnia.
“Estava circulando uma foto dos quatro ongueiros, vi agora
pouco aqui, parece que é verdadeiro, não tenho certeza, né, os caras vivendo em
uma luxúria de fazer inveja para qualquer trilionário que anda pelo mundo.
Ganhando a vida como? Tacando fogo na Amazônia!”, disse Bolsonaro.
Bolsonaristas repetiram a acusação temerária com desassombro
sociopata. Não se trata de engano ou explosão de raiva ocasionais. É a vida
como ela é um mundo em que a tentativa de argumentar com fatos é atropelada
pela raiva.
Os “engenheiros do caos” exploram uma raiva de base a fim de
provocar ondas de fúria, a distração permanente da lacração colérica e
derrisória de “hashtags” e posts agressivos, a substância da nova política.
“Engenheiros do Caos” é o livro (em francês) do italiano
Giuliano da Empoli, ensaísta pop esperto que analisa estrategistas e cientistas
que assessoraram a ascensão dos principais demagogos autoritários do planeta.
Esses engenheiros utilizam massas de dados das redes (“big
data”) a fim de provocar emoções extremas em grupos diversos, com mensagens
quase individualizadas. O conteúdo de base dessa raiva não importa muito:
abandono social, desesperança, desgosto com governos corruptos e tecnocráticos,
com elites econômicas e intelectuais e inimigos do povo, reais ou imaginários.
O demagogo autoritário não tem o plano de agregar cidadãos em torno de um
programa de superação do mal-estar.
Os engenheiros do caos e seus algoritmos, escreve Empoli,
levam as pessoas a “defender qualquer posição, razoável ou absurda, realista ou
intergaláctica, desde que tenha a ver com as aspirações e os medos
(principalmente os medos) dos eleitores”. O objetivo é provocar fúria e caos
permanente, temperados por vaga promessa abstrata de “quebrar o sistema” que
produz sofrimento.
As mídias sociais são um ambiente propício para a demagogia.
A ideologia das redes, que tem seu elemento de verdade, é igualitária (parece
que todos podem ganhar likes e serem ouvidos) e a da “democracia direta”, sem
intermediação. A divulgação simpática da incapacidade intelectual, das gafes e
da incompetência comuns a tantos demagogos autoritários reitera que o “líder”
não faz parte da elite tradicional; as “fake news” e as grosserias
demonstrariam autenticidade e independência, “sem frescura”.
O caos das redes, diz Empoli, tem um lado “festivo e
libertário” como a confusão do Carnaval. Por lá, o ressentimento narcisista da
gente comum e a quem não é dada importância, reconhecimento, explode na também
carnavalesca quebra de hierarquias e na trolagem escarninha que zomba do poder,
do especialista, do intelectual, do cientista, dos pedantes, protesto que ganha
pela primeira vez voz individual, publicidade em massa, por causa das redes
sociais.
O que fazer?
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