As surpresas natalinas que Bolsonaro deu aos brasileiros, ao
assinar indulto que, por vias tortuosas, coloca em vigor o excludente de
ilicitude para os agentes de segurança, que fora barrado pelo Congresso, e
também permitir a instalação do juiz de garantias que o ministro Sergio Moro havia
pedido que vetasse, dão bem a dimensão pessoal com que o presidente lida com
questões de Estado.
Ele também sancionou a limitação da delação premiada ao caso
em investigação, restringindo, assim, sua abrangência. Não é à toa que ontem a
hashtag Bolsonaro traidor foi das mais comentadas.
O indulto a policiais e agentes de segurança condenados por
homicídio culposo, isto é, sem intenção de matar, e a soldados que,
participando de ações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), tenham tido o mesmo
fim, é uma maneira que o presidente Bolsonaro encontrou de suplantar a vontade
expressa do Congresso, que rejeitou o excludente de ilicitude no pacote
proposto pelo ministro Sergio Moro.
O subprocurador-geral da República, Domingos Sávio da
Silveira, coordenador da Câmara de Controle Externo da Atividade Policial da
Procuradoria-Geral da República (PGR), considera que este é um dos pontos
inconstitucionais do indulto, que classificou, em declaração ao GLOBO, de um
“ornitorrinco jurídico”, um “excesso de poder” por parte do presidente.
Para o subprocurador, Bolsonaro confundiu a clemência com o
indulto individual, que é o instrumento da graça, previsto na Constituição. O
presidente cogitou usá-lo para beneficiar os policiais condenados pelos
massacres do Carandiru e de Eldorado dos Carajás, mas foi desaconselhado.
O indulto tem que ser genérico, e muitos juristas consideram
que o presidente, mesmo indultando policiais e agentes de segurança condenados
por determinados crimes, estaria ampliando seu poder além do permitido pela
lei.
Certamente esse indulto será tema de debate que chegará ao
Supremo Tribunal Federal (STF), assim como o do então presidente Michel Temer,
que atingia até mesmo os condenados por corrupção.
Depois de uma liminar da ministra Cármen Lúcia sustar o indulto,
meses depois a maioria do STF considerou que ele é uma prerrogativa
presidencial “discricionária”. Resta saber se a maioria dos ministros vai
considerar que Bolsonaro usou adequadamente essa discricionariedade.
Tudo indica que essa posição deve prevalecer também em nova
discussão do plenário do Supremo, mesmo que uma liminar seja concedida por um
dos ministros que foi vencido naquela ocasião.
Já a permissão para que a figura do juiz de garantias seja
adotada no sistema judiciário brasileiro, mesmo com o pedido de veto do
ministro Sergio Moro, parece uma decisão precipitada, com objetivos imediatos.
O juiz de garantias é aquele que vai presidir o inquérito,
autorizar ou não ações de investigação pedidas pelo Ministério Público. Um
segundo juiz julgará o caso, ao contrário do que acontece hoje no país, onde o
mesmo juiz preside o inquérito e dá a sentença.
Eu gosto da ideia, mas admito que precisaríamos de bom tempo
para que os tribunais se organizassem, e muita verba para contratar novos
juízes, até mesmo para comarcas que não têm nem um, quanto mais dois juízes. O
veto foi sugerido, entre outros motivos, porque os proponentes não se
preocuparam em tratar como vai ser em comarcas de juiz único, como em cerca de
40% dos municípios brasileiros, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça
(CNJ).
Não está esclarecido também como vai ser nos tribunais
superiores, se vale ou não para ações penais em andamento. No Supremo, por
exemplo, os processos da Segunda Turma serão distribuídos para a Primeira Turma
e vice-versa? A lei sancionada pelo presidente Bolsonaro entrará em vigor em 30
dias a partir de ontem, mas os tribunais estão em recesso até 20 de fevereiro,
e depois vem o carnaval. Será preciso também alterar os códigos de organização
judiciária.
Necessitará, pois, muito mais tempo para se organizar e
definir casos como os processos em andamento. Por exemplo, o sobre o senador
Flávio Bolsonaro. Se o efeito for imediato, o juiz Flávio Itabaiana, que
preside o inquérito sobre Bolsonaro e já foi criticado pelo presidente, não
poderá mais autorizar investigações, mas seria o juiz prevento (competente)
para dar a sentença.
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