Em recente entrevista, o ministro da Economia, Paulo Guedes,
aparentou flertar com a ideia de dar aumento real para o salário mínimo em
2020. Diante dos jornalistas, chegou a pedir para o secretário especial de
Fazenda, Waldery Rodrigues, fazer a conta de quanto seria o impacto adicional
de subir 1% acima da inflação. Um tanto constrangido, Waldery informou: R$ 4,5
bilhões. Guedes evitou se comprometer, mas disse que tomaria uma decisão até o
próximo dia 31.
Apesar do aceno do ministro, nos bastidores da área
econômica há forte resistência à ideia, o que dificulta seu avanço. As
preocupações maiores são de natureza fiscal, pelo impacto direto na Previdência
e outras despesas indexadas. Mas os interlocutores do governo ouvidos pelo Valor
também levantaram questionamentos sobre se essa seria a melhor política
distributiva e para o mercado de trabalho.
“Aumento do salário mínimo tem impacto relevante nas contas
públicas, devido ao fato de haver várias despesas indexadas. Na atual restrição
fiscal, qualquer aumento de despesa implica maior dificuldade para estabilizar
a dívida, bem como a necessidade de reduzir alguma outra despesa para
reequilibrar o orçamento”, comenta uma fonte. “Geralmente será necessário
reduzir investimentos ou outras despesas discricionárias, com impacto negativo
na oferta de serviços públicos”, completa.
Outro interlocutor aponta que o salário mínimo no Brasil
seria relativamente alto, considerando o universo de pobreza do país. “Se
colocássemos cem brasileiros enfileirados, aquele que recebe o salário mínimo
estaria na posição 72 ou 73, mais perto dos mais ricos”, explica a fonte. Esse
mesmo integrante do governo lembra que quando começou a era Lula, em 2003,
estava abaixo de 40% da “renda mediana”.
Também é mencionada a hipótese de que subir mais salário
mínimo teria efeitos negativos sobre o emprego, desestimulando contratações ou
até mesmo fomentando demissões. Favoreceria ainda a informalidade no mercado de
trabalho. O debate sobre esse efeito é antigo e longe de um consenso entre
economistas.
Para estas fontes, promover um aumento real nesse momento,
ainda que pequeno, seria “um tiro no pé”. Passaria um sinal contrário em
relação à política fiscal em um momento no qual o ajuste se consolida.
“Até toparia elevar se for cortar o fundo eleitoral”,
ironiza um técnico, que sabe da impossibilidade política. “Mas espero
sinceramente que não ocorra. O salário mínimo já subiu bastante, e reajustar
pela inflação por três anos ajudaria bastante”, comentou. “O aumento do salário
mínimo seria prejudicial à retomada do emprego formal. O reajuste real neste
momento não parece uma política que eleve o bem-estar da população em geral”,
sentenciou outra fonte.
Fora do governo, as opiniões variam. O diretor-executivo da
Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, defende uma política de
longo prazo para o salário mínimo e apoia um aumento real modesto neste ano.
“Acho que tem que dar um aumento real. É verdade que tem impacto fiscal, mas
também tem um efeito social importante”, disse. “A decisão sobre o salário
mínimo pode ajudar a dar um fôlego extra para as famílias. Mas é preciso ter
equilíbrio”, avaliou.
Para ele, mesmo com a melhora da economia esperada para o
ano que está chegando, o ritmo ainda é medíocre, dados os níveis de ociosidade.
Por isso, um reajuste do piso salarial, com seu efeito sobre a demanda pode ser
positivo. “Não sou do grupo que diz que não pode de jeito nenhum ter política
de demanda.”
O economista do BTG Gabriel Leal de Barros se posiciona
contra reajuste real. “Cada real de aumento tem grande impacto e gera um dano
fiscal”, disse. “Como há um volume grande desempregados, a prioridade deveria
ser a retomada do emprego mais do que um efeito preço. Isso poderia dar alguma
ajuda para a economia, mas seria anabolizado e não sustentável”.
O ex-secretário de Política Econômica do ministério da
Fazenda Manoel Pires reconhece a preocupação com a questão fiscal. Mas pondera
que um aumento real de 1% não alteraria a direção do processo de ajuste e ainda
contribuiria para a economia.
“Um reajuste real de fato seria contraditório com a PEC
Emergencial, que congela o salário por dois anos. Parece justificável o governo
não fazer um reajuste neste ano. Mas se o fizer, pode ser uma ajuda para a
economia e não atrapalharia a direção do ajuste”, disse, acrescentando que o
ritmo de crescimento esperado para 2020 é inferior ao necessário para o país.
“Ter 2% ou pouco mais de crescimento econômico depois de três anos crescendo a
1% é ruim, muito aquém do que a nossa realidade econômica exige”.
De fato, apesar da euforia que começa a se consolidar em
setores do governo e do mercado, os números projetados para o PIB (3% nos
cenários mais otimistas de dentro e fora do governo) ainda não justificam que
se solte fogos. E cabe lembrar que os índices de desemprego e a renda dos mais
pobres estão muito ruins. Não à toa, apesar do melhor Natal dos últimos cinco
anos na economia, pesquisa Datafolha divulgada ontem mostrou que cerca de um
terço da população de renda mais baixa (até dois salários mínimos) acredita que
a situação econômica do país vai piorar, o triplo do que era em comparação a um
ano antes.
Há que se reconhecer que definir o salário mínimo não é algo
trivial. Não se deve menosprezar as implicações fiscais. Ao elevar o piso do
país acima da inflação e, portanto, do previsto no Orçamento, a regra do teto
de gastos determina que outra despesa deverá ser cortada. E é público e notório
que o espaço para isso é restrito. Por outro lado o crescimento econômico do
país está se acelerando a um ritmo longe de ser brilhante. E isso tem
implicações fiscais e sociais.
Uma alta real moderada, com seus cerca de R$ 10 a mais no
bolso do assalariado brasileiro, poderia dar ânimo extra para quem tem sofrido
mais com essa longa recessão/estagnação. E, com seus efeitos multiplicadores,
reforçar a retomada da atividade.
Mesmo que estatísticas coloquem o salário mínimo como alto
no Brasil, os pouco mais de R$ 1 mil pagos mensalmente para milhões de
trabalhadores efetivamente não o são. Esse dinheiro extra faria diferença,
inclusive para aqueles com renda inferior ao piso, que se beneficiariam
indiretamente. Longe de ser um ato de populismo, faz sentido econômico. Que o
espírito natalino ajude o ministro a tomar a melhor decisão.
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