sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

JOEL SILVEIRA: A FALTA DO REPÓRTER MAIOR

Ricardo Soares, DOM TOTAL
O maior e melhor repórter que o Brasil já conheceu foi o sergipano Joel Silveira, que nasceu em 23 de setembro de 1918, em Lagarto, e morreu em 15 de agosto de 2007, em Copacabana, onde morava há muitos anos em um apartamento que tive o privilégio de visitar várias vezes e onde uma vez, rindo a beça, o veterano repórter me deu um pileque de uísque.
Ao notar assustado que já se passaram 12 anos da morte de Joel, olho para os muitos livros dele aqui na estante e tenho certeza de que tudo que é preciso saber um bom repórter está nos escritos dele. Não só as memórias que Joel tinha da Segunda Guerra – onde atuou como correspondente – são saborosas. Tudo o que ele escrevia tinha sabor. Ato e fato juntos. Artefato de poesia em prosa.
Uma das frustrações em minha irregular carreira de documentarista foi não terem me deixado concluir um documentário sobre a vida de Joel Silveira, que eu vinha fazendo quando sai da TV Cultura no fim do ano de 2007, exatamente o ano em que Joel morreu. Já tinha feito ampla pesquisa iconográfica a respeito dele e coletado depoimentos de jornalistas, escritores e repórteres de alto quilate, como Mino Carta, Ricardo Kotscho, Ziraldo, Juca Kfouri, Eric Nepomuceno, Antonio Torres, Ruy Castro, Zuenir Ventura, Caco Barcellos, Carlos Azevedo, e os já falecidos Moacyr Scliar, Carlos Heitor Cony, Audálio Dantas e Alberto Dines. 
Achei a transcrição dessas fitas essa semana e me deu um apertozinho no peito, não só pela ausência do Joel, mas pela própria ausência do que é uma boa reportagem na mídia brasileira de hoje, salvo raríssimas exceções. Suo frio ao pensar que dificilmente essas fitas tenham sido guardadas no acervo da TV Cultura. Podem ter sido reaproveitadas e aí já era. Penso em verificar agora. Mas, por sorte, algumas transcrições estão comigo ao menos para serem lidas e reproduzidas.
Meses depois da morte de Joel, em 2007, foi realizado no Memorial da América Latina, em São Paulo, um salão do “jornalista – escritor”. E ele era o homenageado de honra, com muita justiça. Foi nesse “salão” que colhi os depoimentos dos craques que listei acima e, voltando ao assunto “reportagem”, vale a pena ler o que disse Ricardo Kostcho na ocasião, quando perguntei se o Joel faria falta:
“Não faz nenhuma falta. Sabe por quê? Porque não tem mais reportagem. Eu diria para você que há 20, 30, 40 anos, quando a gente fazia isso, pessoas como o Joel Silveira ensinavam os mais jovens. Eu aprendi com outros repórteres mais velhos. Mas hoje ele seria inútil numa redação porque o tipo de trabalho que ele fazia não se faz mais ou se faz muito raramente. Eu acho que ele ficaria muito triste se tivesse que trabalhar numa redação."
Ricardo Kotscho me disse isso no dia 15 de novembro de 2007. De lá para cá, as coisas só pioraram e muito. Joel não gostaria de ver no que foi convertido o jornalismo brasileiro nesses tempos de guerra ideológica. Mas, se por um lado a morte lhe poupou dessa tristeza, fico pensando como o velho estaria esculachando esse desgoverno de ineptos e milicianos que desgoverna o Brasil.
Ao fim e ao cabo, depois de tantos anos de atividades jornalísticas, me considero modestamente e acima de tudo um repórter, embora tenha exercido uma penca de funções desimportantes ou pseudo-importantes ou até importantes conforme o gosto do freguês. A certeza é que no país sem memória pouco fica da atividade jornalística quando os fatos relatados já passaram. Daí que muitos repórteres marotos viraram cronistas na subconsciente tentativa de se perpetuarem. Como repórter eu não nasci um Joel Silveira. E como cronista não nasci Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Lourenço Diaféria ou nenhum dos grandes. Meu destino futuro é miúdo e tenho plena consciência disso. 
Afinal, se no Brasil não conseguimos ver valorizados os experientes no jornalismo no imenso atacado de veteranos – sei bem o que é isso –, imagina no varejo dos grandes talentos quase esquecidos. Então resta o que? resta o “Tempo de contar”, que aliás é o nome de um dos lindos livros de Joel Silveira, que reúne suas crônicas e reportagens. E do meu tempo de contar cuido eu, vocês que me perdoem. E aqui conto, sem aumentar ponto, que, se vocês não conhecem ou não leram Joel Silveira, corram para as livrarias, kindles ou googles da vida. Sem ler o Joel vocês jamais saberão o que foi bom jornalismo no Brasil.
*Ricardo Soares é diretor de TV, escritor, roteirista e jornalista. Publicou 8 livros, dirigiu 12 documentários. Escreve de segundas e quintas para o Dom Total.
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