O presidente Jair Bolsonaro ensaiou
nesta quinta (19) o discurso “filho não é parente”. Indagado sobre a folia
no parquinho, onde Flávio
Bolsonaro se dedicava aos folguedos da rachadinha em
companhia de seus amiguinhos
milicianos e de parentes do papai, respondeu: “Problemas
meus, podem perguntar que eu respondo. Dos outros, não tenho nada a ver
com isso”.
Epa! Toma que o filho é teu, Jair!
No
dia 16 de maio, a perspectiva era outra. Sobre o mesmo assunto, respondeu o
presidente com a idiopatia gramatical já conhecida: “Querem me atingir? Venham
para cima de mim! (...) Grandes setores da mídia, ao qual vocês integram, não
estão satisfeitos com o meu governo que é um governo de austeridade (...) é um
governo que não vai mentir e não vai aceitar negociações, não vai aceitar
conchavos para atender interesse de quem quer que seja. E ponto final".
É tanta moralidade que a gente tem até certa vertigem do
excesso. A realidade se adensou. Os fantasmas se agitam no armário. E o
destemido “Mito” agora implora: “Não venham para cima de mim”.
Convém que se lembre aqui: o parágrafo 4º do artigo 86 da
Constituição blinda o presidente de ser responsabilizado por atos anteriores ao
exercício do mandato. Jurisprudência do Supremo, no entanto, resolveu fazer a
criativa distinção entre “ser responsabilizado” e “ser investigado”. Assim,
nada impede que se apure o que fez o mandatário no passado, sob demanda da
Procuradoria-Geral da República e controle da corte.
É certo que Augusto Aras, procurador-geral da República, não
o fará por ora. É óbvio, no entanto, que isso não serve para garantir a
Bolsonaro o sono dos justos. Lembrei
aqui no dia 6 deste mês que ele está como um Macbeth do Cerrado:
mataram o seu sono.
Desde que veio à luz o relatório do Coaf com as lambanças de
Fabrício Queiroz, Bolsonaro cometeu o erro de chamar para si o problema.
Escalou seu porta-voz para anunciar que os filhos são “sangue do meu (seu)
sangue”. Formam uma unidade. Tanto é assim que decidiram
ter seu próprio partido. O presidente da legenda é Bolsonaro. O vice é o
filho investigado. Contra a velha política! Em nome de “João, 8:32”, aquele da
verdade que liberta.
Flávio não é o “o outro”. Flávio é o mesmo.
O terreno está minado. Qualquer movimento em falso que
caracterize obstrução da Justiça, e o presidente pode, a um só tempo, cometer
crime comum e crime de responsabilidade. As circunstâncias determinariam a
saída. Em qualquer caso, Bolsonaro precisaria se entender com a Câmara ao
menos. Em seu mais recente movimento, resolveu jogar a tigrada contra o
Congresso, ameaçando
vetar o fundo eleitoral.
O escorpião que pega carona nas costas do sapo não entendeu
as virtudes do pragmatismo. É movido por sua natureza.
Encerro observando que movimentos nada sutis já se percebem
no mercado propriamente e no mercado de ideias e informação. Mais do que nunca,
é hora de “comprar Paulo Guedes” para se proteger da volatilidade que colhe
Bolsonaro. É preciso convencer os interlocutores de que a garantia da
estabilidade não está com o presidente, mas com o ministro da Economia. Em
2005, na crise do mensalão, a operação de “hedge” tinha Antonio Palocci como
objeto. As crises fazem os ídolos morais.
Numa entrevista concedida na quinta (18) ao programa Central
GloboNews, Guedes evidenciou inconformismo com a imprensa que noticia a morte
de um índio, comparou as queimadas da Amazônia ao incêndio na Notre Dame e
refletiu: “É muito mais importante um recurso de saneamento aqui, onde estão
morrendo pessoas, e não lá, onde morreu uma árvore”. Uma humanista! Não será
por falta de ídolos do reacionarismo que deixaremos de atingir a grandeza.
Desde que escapem da polícia.
Tiro quatro colunas de férias. Volto no dia 24 de janeiro.
Pra cima com a viga, moçada!
Reinaldo Azevedo
Jornalista, autor de “O País dos Petralhas”.
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