Não tenho a menor pretensão de querer substituir Dorrit
Harazim ou Demétrio Magnoli, dois dos melhores comentaristas da política
internacional do GLOBO, mas tampouco resisto a dar meu pitaco no processo de
impeachment de Donald Trump. De todo modo, vou tratar do caso pelos pontos que
o aproximam de nossa própria história política. Começando pela delícia de carta
que o presidente dos Estados Unidos mandou para a presidente da Câmara,
deputada Nancy Pelosi.
O documento mostra a fúria conhecida de Trump, mas isso
pouco importa. O interessante é como esta ira se parece com a que vimos aqui no
Brasil no processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Separei alguns
trechos da carta que parece terem sido tirados de discursos e pronunciamentos
de Dilma, Lula e de inúmeros parlamentares do Partido dos Trabalhadores que
tomaram as tribunas da Câmara e do Senado para protestar.
“Isto não passa de um golpe de Estado ilegal e partidário”.
Quem disse isso? Todos os petistas se referiam assim ao processo de impeachment
de Dilma. Mas a frase reproduzida literalmente é de Trump na carta a Pelosi. “É
um abuso de poder inconstitucional sem igual na história”, escreveu o
presidente americano lembrando o “nunca antes na história desse país”. Trump
refere-se ao processo como “um juízo político (…) uma guerra contra a
democracia”. Mesmos termos, quase literais, usados pelos defensores de Dilma.
Na carta, Trump alega ser tudo uma “invenção, produto da
imaginação (dos democratas)”. O partido, segundo ele, “incapaz de aceitar o resultado
das urnas de 2016 (…) tenta há três anos mudar a vontade do povo e anular seus
votos”. Se alguém encontrar alguma semelhança mais clara entre o discurso do PT
e o de Trump, só o fará na carta enviada a Nancy Pelosi. Aliás, esse ponto é
repetido de outra forma, mas com os mesmos argumentos petistas: “Seu objetivo é
desfazer as eleições de 2016 e roubar as eleições de 2020”.
O presidente dos EUA diz que os democratas estão
desesperados em razão do sucesso de seu governo, e usa o maior de todos os parágrafos
da carta para enumerar resultados econômicos e políticos da sua administração.
Vimos isso por aqui também, com a mesma eloquência. Também não faltou no
documento endereçado à presidente da Câmara momentos de autopiedade, que também
presenciamos no passado recente. “Desconhecem e não se incomodam com a dor e
com os danos causados aos integrantes maravilhosos e carinhosos de minha
família”, disse ele.
Outros pontos falam em “calúnia e difamação contra uma
pessoa inocente”; “usam cálculos políticos pessoais”; “demonstram desprezo aos
eleitores e à ordem constitucional”; “nenhuma pessoa inteligente acredita
nisso”; “vamos acertar contas em 2020”. A defesa de Dilma usou os mesmos
argumentos e a mesma ameaça. De nada adiantou. Dilma foi afastada, e o acerto
de contas prometido não ocorreu, como se viu. Claro que no intervalo o maior
líder do partido foi condenado e preso.
Essas semelhanças entre a carta de Trump e os argumentos
petistas em favor de Dilma não significam que o presidente americano e seu
partido se pareçam politicamente com o PT. Claro que não, muito pelo contrário.
Elas apenas demonstram que políticos encrencados e acuados ficam tão óbvios que
se tornam vulgares, comuns, iguais uns aos outros, pouco importando sua
orientação partidária.
Mas, apesar de todas as similaridades, há uma diferença
fundamental entre os processos de Dilma e de Trump, fora o objeto da denúncia,
inteiramente distinto. O da brasileira resultou no seu impeachment, o do
americano não passará pelo Senado. Não há a menor possibilidade de os senadores
republicanos endossarem o afastamento proposto pela Câmara. Para aprovar o
impeachment são necessários 77 dos 100 votos da casa. Os republicanos têm 53
cadeiras. Os democratas não conseguirão sequer a maioria simples.
Aliás, impeachment como no Brasil, nem no país que inventou
a modalidade. Nos Estados Unidos, esta é a quarta tentativa de afastamento de
um presidente. As três anteriores naufragaram no Senado. No Brasil varonil, os
dois processos abertos resultaram no impedimento dos presidentes Collor e
Dilma.
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