Vai começar a subida da montanha, metáfora que vem sendo
usada pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, para designar a fase, que
há muito se sabe que chegaria, de escalada rumo ao pico de contaminação pela
covid-19 no Brasil.
Até aqui, alguns fatores ajudaram e outros atrapalharam
sobremaneira a preparação do País para essa escalada inexorável, pela qual
todas as demais nações do globo passaram ou estão passando.
As nossas vantagens comparativas vêm sobretudo do timing. A
contaminação começou na China e se espalhou pela Europa e pelos Estados Unidos
antes de chegar aqui de maneira sustentada, o que nos deu tempo para aprender
com acertos e erros de outros povos e outros governos.
Foi positivo, por exemplo, para que os governos estaduais e
mesmo o governo federal decretassem situações de emergência, calamidade ou
quarentena, a depender da designação, e com isso pudessem restringir a
atividade econômica e a circulação de pessoas e preparar a retaguarda do
sistema de saúde, que já está sendo pressionado e deve enfrentar uma situação
próxima ao colapso, quando não de colapso efetivo, nos próximos dias.
Mas não soubemos aproveitar plenamente o que os
especialistas chamam de “vantagem temporal” que o vírus nos deu. E isso graças
a imperdoáveis erros e omissões políticos, que podem cobrar um preço enorme em
termos de vidas perdidas e situação social e econômica agravada.
Nenhum desses erros tem a ver com a decisão de
distanciamento social, como quer fazer crer a narrativa bolsonarista que
campeia irresponsavelmente em gabinetes de Brasília e nas redes sociais,
atormentando uma sociedade já assustada e que precisa de diretrizes inequívocas
das autoridades para se guiar numa tempestade inédita.
Eles decorreram justamente do oposto: o boicote inexplicável
do presidente da República e de seu entorno a tudo que envolve o protocolo de
combate à pandemia, do distanciamento em si à liderança do ministro da Saúde.
Birra.
Enquanto desautorizava Mandetta, divulgava medicamento e
fazia traquinagem furando o distanciamento, Bolsonaro deixou de tomar
providências urgentes e relevantes que ajudariam a preparar as mochilas de
escalada dos brasileiros.
A começar pelas providências da área econômica. Essas, sim,
deveriam ter sido alvo da obstinação teimosa do presidente. Por que não exigiu
e cobrou a execução de um cronograma enxuto para o pagamento da ajuda
emergencial de R$ 600 (que pode chegar a R$ 1.200) aos mais vulneráveis, que só
começará a ser paga, se tudo der certo, amanhã?
Qual a razão para o presidente não ter impedido que qualquer
auxiliar seu, a começar pelo filho e chegando ao ministro da Educação, que nada
tem a ver com o peixe, criasse encrenca com a China no momento em que o Brasil
vai precisar do país para retomar suas exportações e para importar insumos de
emergência para o combate à própria pandemia?
Essas, sim, são tarefas eminentes ao uso da autoridade
presidencial, essa que Bolsonaro adora afetar, ameaçando infantilmente usar a
caneta para depois recuar, o que acaba apenas por desmoralizá-lo mais perante
auxiliares, eleitores e o resto do mundo.
O presidente tirou uma “folga” ontem, depois de pintar o
sete na segunda-feira e deixar o País com o fôlego preso diante da
possibilidade de demitir o titular da Saúde em plena crise. O recuo não pode
ser considerado definitivo, e a trégua de um dia estranhamente tranquilo pode
ser aquela calmaria que antecede o caos.
Mas foi um bom teste. Se o presidente mantiver o foco em não
atrapalhar a escalada, pode ser que cheguemos ao doloroso cume e comecemos a
descer de volta menos machucados que nossos vizinhos desenvolvidos.


Nenhum comentário:
Postar um comentário