O livro “A cadeira da águia”, do escritor mexicano Carlos
Fuentes, tem uma ótima citação de Stálin que serve como uma luva na disputa em
curso entre o presidente Bolsonaro e seu ministro da Saúde Mandetta. Digo “em
curso” porque não acredito que o presidente Bolsonaro se recolha diante da
impossibilidade de impor sua vontade. Tentará novamente.
Na década de 30 do século passado, relata Carlos Fuentes, um
assessor do líder soviético gritou ao ser elogiado por seu trabalho: “Por
favor, não me elogiem! Não me mandem para a Sibéria”. A insegurança de líderes
autoritários, sejam de esquerda ou de direita, é recorrente na história da
civilização, e estamos vendo uma repetição dessa eterna disputa de poder, real
ou imaginária.
Muitos ministros de Bolsonaro se incomodam com os elogios,
pois sabem que podem ter problemas com o capitão. Para compensar, alguns
começam a elogiar Bolsonaro e a concordar com ele pelas redes sociais, que é
onde o registro vale de verdade para o presidente e seus acólitos.
Esse temperamento inseguro do presidente tem rendido
comentários e memes nas mesmas redes sociais, tão valorizadas pelo próprio
presidente, que revelam a percepção das angústias de Bolsonaro. O que mais
esteve presente nas redes durante essa crise foram brincadeiras sobre os
ministros mais criticados de seu governo, como o da Educação Abraham Weintraub,
o chanceler Ernesto Araújo ou o do Meio Ambiente Ricardo Salles.
“Se começarmos a elogiar o Weintraub, será que ele cai?”, é
um exemplo do humor cáustico das redes sobre o comportamento nada errático do
presidente, que protege os que são “perseguidos” pelos “jornalistas
esquerdistas”, e coloca na sua mira os ministros que são elogiados. Se seus
“inimigos” gostam deles, é porque não são confiáveis.
O caso do ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antonio é o
mais enigmático de todos os que Bolsonaro protege. Acusado de crime eleitoral
como coordenador de um esquema de candidaturas “laranjas”, ele jamais foi
incomodado por Bolsonaro, que se jacta de não aceitar corrupção em seu governo.
O fato de a acusação se referir à período anterior ao seu mandato presidencial
não explica essa leniência, pois quando escolhido o ministro já respondia a
esses questionamentos.
O fato é que o presidente Bolsonaro lida diariamente com
essas angústias que lhe comem as entranhas, situação exacerbada depois que
levou a facada durante a campanha eleitoral. Na ocasião, seu filho Carlos já
tuitara dizendo que havia gente no entorno de seu pai que queria sua morte com
objetivos políticos, referindo-se claramente ao vice Hamilton Mourão.
Essa paranóia alimentada pela mente tumultuada de Carlos e
seus dois irmãos persegue o presidente, e é impossível imaginar que possa ser
tutelável. O general Vilas Boas, que uma vez me disse que o candidato Bolsonaro
era “incontrolável”, recentemente foi mais cerimonioso numa entrevista e disse
que “ninguém tutela o presidente”.
De fato, não é bom um presidente tutelado por militares. Mas
também não é bom ter um presidente que coloca em risco a população que governa
com decisões sem bases legais ou jurídicas. Não se elege um ditador, mas um
chefe de Estado que aceita as regras do jogo democrático. Nela, os poderes se
contrapõem e se controlam mutuamente.
Não aceitar essa premissa, e tentar mudar as regras do jogo
que o colocaram no poder através de manipulação da opinião pública, coloca o
presidente eleito em uma rota de ilegalidade que em algum momento vai cobrar
consequências.
Um artigo importante, assinado por um grupo de juristas no
Globo Online de ontem, define bem os limites presidenciais numa democracia: “Um
presidente da República está limitado pela ciência — porque está limitado pela
realidade. Não pode decretar que o sol nasça no poente e se ponha no nascente.
Não pode negar evidências científicas seguras, tampouco orientar que sua
administração assim o faça”.
Isso quer dizer que o presidente Bolsonaro não pode nem
decretar que a terra é plana, embora possa acreditar nisso, nem dar fim à
quarentena sem apoio de bases cientificas. Uma frase atribuída ao chefe do
gabinete Civil do governo Geisel, Golbery do Couto e Silva, define bem a
situação: “Há três tipos de poder, o que você acha que tem, o que os outros
acham que você tem, e o que realmente você tem.”
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