O astucioso e explícito ataque público de Jair Bolsonaro
contra seu ministro da Saúde revelou a extensão dos tormentos de sua alma. Luiz
Henrique Mandetta é uma solução, mas seu chefe vê nele um problema. Mesmo que
ele tivesse dito que a Covid-19 seria uma “gripezinha”, o presidente deveria
poupá-lo de ostensivas frituras.
Há pouco mais de um mês morreu o ex-ministro Gustavo
Bebianno. Tinha 56 anos e foi levado pela tristeza, menos de um ano depois de
ter sido demitido da Secretaria-Geral da Presidência em circunstâncias
humilhantes pelo presidente por quem trabalhou quando os bolsonaristas cabiam
numa Kombi. Na carta que Bebianno lhe escreveu, disse: “O senhor cultiva e
alimenta teorias de conspiração, intrigas e ódio”.
Pouco depois, Bolsonaro demitiu o general da reserva Carlos
Alberto dos Santos Cruz da Secretaria de Governo. Ele pouco falou, mas deixou
uma frase críptica: “Tem que ter noção de consequência.”
Como disse o sábio Marco Maciel, “as consequências
geralmente vêm depois”. Quando Bolsonaro diz que “o Mandetta quer fazer muito a
vontade dele. Pode ser que ele esteja certo. Pode ser. Mas está faltando um
pouco mais de humildade para ele” e que “a gente tá se bicando há um tempo”, o
que ele faz é fritá-lo.
A fritura de Mandetta serve ao coronavírus e a ninguém mais.
Bolsonaro sabe desidratar colaboradores e secou o ex-juiz Sergio Moro, mas a
importância do Ministério da Justiça não pode ser comparada à da Saúde durante
uma epidemia.
Desde o inicio da crise, Bolsonaro oscilou do negacionismo
ao Apocalipse. O que pode parecer um comportamento errático, foi uma constante
e equivocada defesa de seus interesses: “Se acabar a economia, acaba qualquer
governo, acaba o meu governo”.
O negacionismo da “gripezinha” menosprezava a epidemia
supondo que com isso poderia preservar a economia. Com a Covid-19, Bolsonaro
passou a flertar com o caos do vídeo da central de abastecimento de Belo
Horizonte às moscas. (Era mentira e ele se desculpou por não ter checado,
quando devia ter pedido desculpas por ter acreditado.) As duas posturas
nasceram de um só medo: “Acaba meu governo”.
Seu governo só deve acabar no dia 31 de dezembro de 2022,
porque é isso que diz a Constituição. Até lá, ele terá que governar um país em
em séria dificuldade, sem inventar “gripezinhas” ou estimular tensões e
situações caóticas.
A História da República registra casos de presidentes que
produziram desastres, mas nenhum deles teve padrão semelhante ao de Bolsonaro.
Nem Jânio Quadros, um grande ator que se fazia passar por doido.
Entre o negacionismo e o flerte com o Apocalipse, Bolsonaro
leva para o atacado a política venenosa que praticou no varejo com Bebianno e
Santos Cruz, pessoas que decidiram trabalhar com ele. No atacado, ela muda de
qualidade, porque pode-se mastigar uma pastilha de cianeto de potássio, mas não
se pode receitá-la.
A lição de Ibrahim Sued
Em novembro de 1972 o jornalista Ibrahim Sued lançou seu livro “20 anos de caviar” na pérgola do Copacabana Palace. Barão do colunismo social, reuniu todo o Rio de Janeiro e autografou 1.012 exemplares. As pessoas pagavam pelo livro e o dinheiro era colocado em caixas de charutos.
Em novembro de 1972 o jornalista Ibrahim Sued lançou seu livro “20 anos de caviar” na pérgola do Copacabana Palace. Barão do colunismo social, reuniu todo o Rio de Janeiro e autografou 1.012 exemplares. As pessoas pagavam pelo livro e o dinheiro era colocado em caixas de charutos.
Quando a festa terminou, Ibrahim entrou no seu carro com as
caixas debaixo do braço. A noite havia sido uma consagração daquele turco
enorme, criado na pobreza do velho Centro da cidade.
Ibrahim saiu do Copa em direção a Ipanema. Em todo o
percurso, metia a mão na caixa de charutos e dava um punhado de notas a
guardadores de carros ou às pessoas que perambulavam pela Avenida Atlântica.
Um amigo que estava no carro disse-lhe:
— Ibrahim, desse jeito você vai detonar a renda da noite.
O ‘Turco’ respondeu:
— É isso mesmo, o dinheiro tem que circular. Se não
circulasse, não chegava a mim.
Quem puder, pode repetir a lição de vida e de ciência
econômica de Ibrahim.
Bolsonaro acertou
Contrariando vários ministros, o presidente Jair Bolsonaro suspendeu por 60 dias um aumento de até 5% no preço dos remédios.
Contrariando vários ministros, o presidente Jair Bolsonaro suspendeu por 60 dias um aumento de até 5% no preço dos remédios.
Na sua incorrigível opção pela realidade paralela, informou
que a medida foi tomada “em comum acordo com a indústria farmacêutica”. Falso,
a decisão foi tomada em desacordo com a guilda do setor. O Sindusfarma fez
questão de registrar que não foi consultado.
Na patética videoconferência de empresários amigos da
Federação das Indústrias de São Paulo com Bolsonaro, esse congelamento
provisório havia sido uma das poucas propostas capazes de refrescar o andar de
baixo. Ela partiu de Eugênio de Zagotti, representante das farmácias. Ele disse
o óbvio: “O Brasil não precisa dessa manchete”. Foi contraditado por Carlos
Sanchez, em nome da indústria, que ofereceu dois caminhos para que a
providência fosse adotada: O governo poderia criar uma dólar especial para o seu
setor, a R$ 4, ou as farmácias deveriam abrir mão de uma parte de sua margem de
lucro, repassando-o à indústria.
Filantropia
Um teste feito no Hospital das Forças Armadas revelou que o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general da reserva Augusto Heleno, foi infectado pelo vírus. Sete dias depois, ele quebrou a quarentena, apareceu no Planalto e participou de uma reunião. A Secretaria de Comunicação da Presidência informou que a bizarria decorreu de um erro de dois médicos. Conta outra doutor, pois esses seriam os únicos médicos capazes de interromper prematuramente uma quarentena.
Um teste feito no Hospital das Forças Armadas revelou que o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general da reserva Augusto Heleno, foi infectado pelo vírus. Sete dias depois, ele quebrou a quarentena, apareceu no Planalto e participou de uma reunião. A Secretaria de Comunicação da Presidência informou que a bizarria decorreu de um erro de dois médicos. Conta outra doutor, pois esses seriam os únicos médicos capazes de interromper prematuramente uma quarentena.
Cumprido o isolamento, um novo teste revelou que estava
saudável. Apesar de estar encarregado da segurança institucional da República,
revelou alguns de seus dados pessoais, permitindo que gaiatos anunciassem que o
haviam filiado à Juventude Socialista e ao PT.
A divulgação do seu teste informou também que ele foi
realizado num laboratório da Rede D’ Or, classificado como “cortesia”.
Sem palhaçada
As entrevistas de Jair Bolsonaro no cercadinho do Alvorada serviram para teatralidades, até o dia em que o presidente mandou que os jornalistas ficassem calados para ouvir o que dizia um dos integrantes de sua claque:
As entrevistas de Jair Bolsonaro no cercadinho do Alvorada serviram para teatralidades, até o dia em que o presidente mandou que os jornalistas ficassem calados para ouvir o que dizia um dos integrantes de sua claque:
— É ele quem vai falar, não é vocês, não.
Bolsonaro criou um modelo inédito de encontros com a
imprensa, a entrevista-auditório. De um lado ficam os profissionais e de outro
os denominados “apoiadores”. O episódio passou da conta e jornalistas
abandonaram o local.
No dia seguinte, um funcionário do Planalto pediu à claque
que deixasse os jornalistas em paz. Tentou-se chegar a bom termo, mas no dia
seguinte, a claque voltou a se manifestar.
Os jornalistas devem trabalhar em condições adversas e
eventualmente ouvem desaforos, inclusive aqueles que partem de Bolsonaro. É o
jogo jogado.
Eles não devem ser obrigados a enfeitar palhaçadas.


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