Já não é segredo que a imagem do Brasil na
Europa, América Latina, Estados Unidos e África sofre
de crescente desprestígio – não carece aqui mencionar China e
Ásia. Os governistas e seus apoiadores mais fanáticos consideram
injusto atribuir tal retrato à imagem do país. Culpam a mídia e os adversários
políticos “desprovidos de patriotismo”. Toda essa balela se pronuncia sem
que se ofereça um único argumento verossímil.
Da destruição do meio ambiente à negligência no apropriado
combate aos efeitos da pandemia da covid-19, passando pelos retrocessos no
campo dos direitos fundamentais, a culpa parece ser de todos menos de quem
possui a primazia de propor as soluções e para tal foi eleito.
Em mundo competitivo e comandado pela tecnologia, onde o
acesso à informação é dinâmico e se dá em tempo real, já não é mais possível
para tapar o sol com a peneira e adotar narrativas
insustentáveis. Governos estrangeiros, fundos de investimentos, empresas
privadas de mídia e organizações de direitos civis atualmente aquilatam a
reputação de um país com base em quatro fatores fundamentais: 1)
estabilidade política; 2) solidez econômica; 3) arcabouço das garantias e
dos direitos; e 4) compromisso com a proteção do meio ambiente e
da biodiversidade.
Lamentavelmente, o Brasil não vai bem em nenhuma dessas
quatro vertentes. A degradação da imagem do país é, em termos simples,
resultado da incapacidade do governo de administrar as crises surgidas –
afora as que são geradas de forma endógena por
autoridades boquirrotas que têm mais compromisso com sua
claque de extremistas do que com a nação.
No primeiro quesito, estabilidade política, bom, os fatos
falam por si. À parte o imobilismo na relação com o Congresso Nacional, o
governo não consegue se manter afastado de embates polêmicos com a classe
política e com o Poder Judiciário. E isso para não trazer à luz a confrontação
com a mídia e com a sociedade civil. A arte de bem governar passa longe do
Palácio do Planalto. A confiança fica abalada quando o governo procura dotar
minoria para bloquear potencial processo de impeachment, entregando os aneis e
os dedos, em vez de buscar organizar maioria para fazer avançar seus projetos
no parlamento.
No que diz respeito à robustez econômica, o governo vendeu a
si expectativa exageradamente superior aos resultados coletados. O PIB de 2019
foi inferior ao de 2018. A reforma da previdência não catapultou as demais
reformas. O capital externo e os investimentos esperados seguem à espreita.
Investidores, empresas e governos estrangeiros sabem que o Poder Executivo está
sem alavancagem no Congresso.
Estão cientes também de que quem mobilizou e salvou a agenda
econômica foi Rodrigo Maia. As demais reformas, como a tributária
e administrativa, ainda não fizeram a travessia do Ministério da Economia ao
Congresso nacional. O que tramita em matéria de reforma nas duas casas
legislativas são projetos dos próprios congressistas. Achar que taxa de juros
baixa ou discurso de confiança bastam para que a economia deslanche não passa
de autoilusão. O cenário econômico, já nebuloso antes da pandemia, agora ficou
mais incerto.
No tocante às garantias e aos direitos, não fica bem para
país que pretende se desenvolver e que tem o enorme desafio de reduzir as
desigualdades lançar-se à inépcia de bradar nostalgicamente pelo AI-5 ou
advogar o armamento da população. Quando a imprudência chega a esse nível, é a
segurança jurídica que passa a estar ameaçada.
Afasta-se do cenário em que se casam desejo de investir e
ambiente político estável – e, com isso, vai minguando a simpatia de países
amigos. Ademais, quando também se tenta, por exemplo, manipular a autonomia
universitária e minar a política de cotas por meio de gambiarras burocráticas,
atinge-se a democracia e o Estado de Direito, que se tornam mais opacos.
Capital tem sido palco de protestos contra e a favor o
governo há semanas Foto: Adriano Machado/Reuters
No mundo atual, o compromisso de proteção do meio ambiente
tornou-se medida inescapável da qualidade da governança de um país, fundamental
para que os interesses nacionais se legitimem com o atestado de “boa
governança”. Quando o objetivo declarado
passa a ser a mudança das regras do jogo e o afrouxamento da
fiscalização (entenda-se: “passar a boiada”), não há narrativa capaz de
suavizar seus efeitos deletérios. A política é feita de ações e impressões. Foi
o Brasil que desistiu de sediar a Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança
do Clima (COP25).
O país abriu mão de margem para influenciar as narrativas e
o processo decisório na governança de tema ambiental central e, de quebra,
delegou sua liderança a terceiros. Foi também o Brasil que ameaçou sair do
Acordo de Paris. Quando malogrou a tentativa de macaquear Trump, o governo
recuou, ficando com todo o passivo diplomático. Dito isso, ninguém é mais
responsável pelo declínio acachapante da imagem do Brasil no mundo do que os
atuais donos do poder.
Instituições de mídia como The Economist e Financial Times
são insuspeitos da pecha de “comunista”. As publicações nas páginas desses
meios são, no fundo, o reflexo daquilo que pensa o leitor empresário,
financista e acadêmico. Em verdade, a imagem que se projeta hoje é a de que o
Brasil está acéfalo e padece de governança que se possa considerar ao menos
regular. Se o governo considera injusta a imagem que atribui ao país no mundo,
é preciso então iniciar a mudança de rota. Seria bom começo trabalhar para
restaurar a força dos quatro vetores que condicionam a reputação do país.
HUSSEIN KALOUT, 44, é Cientista Político, Professor de Relações Internacionais e Pesquisador da Universidade Harvard. Foi Secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2016-2018). Escreve semanalmente, às segundas-feiras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário