Em política, quando não se tem um projeto claro e preciso
para o futuro, o ativista rodopia em torno de um vazio que ele mesmo não
consegue admitir. Nada mais angustiante para o ativista do que não poder dizer
pelo que luta, para o que serve seu empenho. Aos olhos dele, o conformista é um
aliado da desgraça, o esperto finge que não a vê, o homem de ação tenta
vencê-la a qualquer preço. E o combatente deve contornar o infortúnio sem
descanso, até encontrar o buraco por onde abordar o verdadeiro sentido das
coisas, no momento oportuno, avançando mais um passo, mesmo que mínimo, em
direção ao paraíso.
Os Bolsonaro têm um projeto. Eles são responsáveis pelo
primeiro projeto clara e inapelavelmente de direita neste país. O presidente
está à frente de alguma coisa que, mesmo que nem sempre o confesse, corresponde
a uma transformação radical de nossas estruturas públicas e até psíquicas. Não
se trata de uma mudança, trata-se de uma transformação.
Nunca vi, no Brasil, defesa tão clara da direita como essa
dos Bolsonaro e seus aliados. E, para glória deles, nunca vi tanta gente,
importante ou não, botando a cabeça de fora para anunciar-se, desde sempre ou
convencida por eles, de direita. É como se a chegada de pastores inesperados
encontrasse um bando de ovelhas malocadas, adeptos mudos de ideias secretas,
novos convertidos ou libertos de longo silêncio culpado. Todos doidos para
anunciar o que, até aqui, não tinham coragem de confessar, por falta de convicção
e apoio público. Os mais radicais se diziam em luta contra a esquerda corrupta
e, claro, contra os comunistas de sempre. Foi essa a desculpa, às vezes
sincera, daqueles que fizeram o golpe de estado de 1964.
Hoje, graças aos Bolsonaro, os que se declaram de direita se
multiplicam, reforçando o campo ideológico e popular ao qual, antes, não tinham
coragem de aderir sem meias palavras. A direita agora tem um projeto e um plano
para executá-lo. Mesmo que, de vez em quando, necessite recuar, trocando a
imposição do regime por avanços pontuais e discretos, em nome de uma democracia
da qual ainda precisa. E, como estamos mesmo num regime democrático e não
convém dividir o país (mais do que ele já está dividido), a direita, às vezes,
aceita recuar da imposição de suas ideias, para se fortalecer e voltar mais
tarde com os mesmos desmandos.
O surgimento de uma direita concebida com certos valores e
inteligência pode colaborar com o crescimento do espaço de justa representação
política, fortalecendo e enriquecendo as alternativas de uma democracia
possível. Ela pode ser até bem-vinda. Mas, no mundo inteiro, essa nova direita
ressurge imperial, populista, autoritária e eufórica com suas vitórias nos
Estados Unidos, na Itália, na Hungria, no Reino Unido, na Índia, em Israel, na
América Latina e no mundo árabe. Além de submissa a circunstâncias
incontroláveis em países da África e sobretudo da Ásia. É como se, através de
eleições democráticas, a direita estivesse recuperando prestígio junto a povos
cansados de tanta desgraça e promessas vãs. Como se lhes faltasse apenas essa
opção para experimentar finalmente um pouco de felicidade social.
Quem produz os eleitores medianos da direita, bem longe das
chamadas classes desfavorecidas, é o próprio capitalismo financeiro ocidental.
Zonzo desde que comemorou o fim da História com a queda do muro de Berlim, e
sem ter mais a quem enfrentar como alternativa a si próprio, ele dormiu nos
louros e não se importou com o número cada vez maior de cidadãos médios, que
não vivem apenas do consumo básico. Um fenômeno social que gerou grossa barriga
obesa bem no meio da clássica pirâmide social.
Os populismos de direita, pelo mundo afora, foram
beneficiados por tecnologias novas, cujo papel eles foram mais rápidos em
descobrir e usar. Seus líderes vêm sendo eleitos graças à internet e,
sobretudo, graças à difusão de mentiras organizadas através dela, embolando o
meio de campo da politica tradicional. Não estou me referindo apenas às famosas
fake news, mas também à forma com que aquelas forças organizam suas campanhas
eleitorais. Como disse Steve Bannon, o ideólogo máximo desses novos
procedimentos, fato ou ideia difundidos através da internet podem chegar apenas
aos eleitores para os quais foram gerados, sem serem checados pela imprensa, a
televisão ou o público em geral. Segundo eles, a eficiência dessa milícia
digital é protegida pelo anonimato das redes e pelo princípio da liberdade de
expressão, base de toda democracia.
A sorte dos democratas é que esses métodos servem para eleger um candidato, mas não garantem um bom governo. Entre os vitoriosos, nesses 20 anos do século XXI, os únicos políticos e partidos que mantêm seu poder sobre a sociedade são aqueles que usam a força para controlar as oposições e a própria população. A questão não se coloca mais entre esquerda e direita, no fundo meio parecidas, resquícios do iluminismo racionalista do século XVIII. Mas na escolha decisiva entre Civilização e Barbárie, onde só existe a trajetória que faremos no caminho que escolhermos, com esperança em nossa felicidade.
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