As atitudes antidemocráticas do presidente Bolsonaro fazem
muito mal à jovem democracia brasileira. Estimulam a intolerância e o
radicalismo já presentes na sociedade, e estressam as instituições
democráticas, aumentando indevidamente seu ativismo. O País desvia-se do
caminho do enfrentamento dos seus problemas e do avanço civilizatório.
Um episódio que merece reflexão foi a resposta do STF à
infame reunião ministerial com ataques à instituição. Parte da classe jurídica
aponta excessos na decisão monocrática do ministro Celso de Mello de divulgar
quase na íntegra a reunião, com temas alheios às investigações de interferência
de Bolsonaro na Polícia Federal.
Correta ou não, a divulgação da intimidade de discussões de
trabalho traz consequências indesejáveis, que deveriam ter sido consideradas.
No caso, contribui para uma maior polarização social, acirra a desconfiança
entre os Poderes, prejudica a imagem do País no exterior e retira ainda mais o
foco na superação da crise atual. Poderá também prejudicar agendas importantes,
como a de buscar caminhos para melhorar a ação estatal no campo, sem ameaçar o
meio ambiente.
O presidente com frequência desrespeita e maltrata a
imprensa, cuja reação autodefensiva muitas vezes a faz desviar de sua missão,
que é informar e estimular o debate público – um ingrediente essencial na
construção da agenda dos países.
Tem-se discutido pouco as soluções para a área da saúde e as
lições das diferentes experiências de combate à covid-19. Assunto não falta: o
caso sueco de confinamento mais frouxo; as evidências de que o isolamento
social é pouco efetivo em regiões carentes; as diferentes situações nos Estados
brasileiros; as estratégias para o fim do isolamento; e como garantir a
vacinação em massa no futuro.
Na economia, falta debate qualificado sobre a divisão entre
analistas nas recomendações de políticas públicas. Alguns argumentam que não se
deve pensar em restrições orçamentárias, enquanto se defende o ativismo do Banco
Central no financiamento do déficit público. Outros alertam para a necessidade
de garantir o bom uso dos recursos públicos e que as políticas emergenciais não
extrapolem o período de calamidade pública, recomendando-se evitar atalhos para
aumentar os gastos que poderão custar caro adiante.
A ausência do bom debate e da busca de consensos poderá
contaminar os trabalhos no Congresso. A reforma da Previdência saiu porque o
debate público amadureceu. Sem isso, a tendência de muitos políticos é defender
medidas de cunho mais populista, evitando também combater os problemas
estruturais.
Outro ponto a ponderar são as consequências da instabilidade
política na economia. Considerando apenas a questão econômica, diferentemente
de 2016, quando o impeachment de Dilma era visto como a chance de corrigir a
equivocada política econômica, uma ruptura agora poderá penalizar ainda mais o
enfrentamento da crise e alimentar a indisciplina fiscal.
Certamente, a questão econômica precisará ficar em segundo
plano em caso de ameaça à democracia. No entanto, os analistas políticos estão
divididos quanto a gravidade do discurso radical de Bolsonaro. Alguns apontam
como blefe, não havendo um projeto autoritário, enquanto outros veem com
preocupação sua proximidade com grupos armados, incluindo polícias militares e
baixas patentes.
A julgar pelas manifestações do alto escalão das Forças
Armadas, desde sempre preocupado com o risco de indisciplina e desordem, haverá
esforços para coibir excessos desses grupos, não havendo risco iminente à
democracia.
Além disso, a sociedade, agora mais participativa, manda
recado de que não aceitará retrocessos democráticos. É improvável que as
autoridades do País ignorem o quadro de inquietação.
Convém os adultos voltarem para a sala e praticarem a autocontenção,
para não alimentarem extremismos que possam gerar mais instabilidade.
Que as instituições democráticas cumpram seu papel com
firmeza e sem complacência, evitando porém revanchismos e visando ao bem comum.
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