Ninguém segura mais o debate sobre o fortalecimento dos
programas sociais na direção de uma renda básica no Brasil após o fim do
auxílio emergencial de R$ 600, criado na pandemia do coronavírus para socorrer
a população de baixa renda.
Ele está em pleno voo, como tem mostrado uma série de
reportagens do Estadão. O tema amadureceu com velocidade inimaginável há seis
meses, diante do aumento da pobreza durante a pandemia, que clareou a
fotografia dos milhões de “invisíveis” no País.
Congresso e governo se movimentam para não perder esse bonde
que se movimenta em alta velocidade por sobrevivência política. Cada um a seu
modo. A questão no momento é como financiar o aumento das transferências
sociais num cenário de piora das contas públicas, com a dívida pública no
caminho de 100% do Produto Interno Bruto (PIB) e a restrição do teto de gastos.
Se quiser mesmo avançar num programa de fortalecimento dos
programas sociais e não ser atropelado, o ministro da Economia, Paulo Guedes,
terá de chamar para o diálogo (melhor que seja o mais rápido possível) os
parlamentares e os principais especialistas do tema no Brasil envolvidos na
elaboração de uma proposta de renda básica.
Eles são muitos e com grande experiência acumulada em quase
30 anos, desde a apresentação do primeiro projeto de lei de garantia de renda
mínima, pelo ex-senador Eduardo Suplicy em abril de 1991.
O grupo tem apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia
(DEM-RJ), que quer ver aprovado o novo programa ainda durante sua gestão no
comando da Casa, para deixar sua marca reformista.
Nessa negociação, o governo, que desenha o Renda Brasil
(programa que pretende colocar no lugar do Bolsa Família), não poderá fazer o
que fez durante a implementação do auxílio emergencial de R$ 600. Não ouviu
quem muito sabe do assunto e não deu transparência total aos dados do programa,
sobretudo às informações dos pedidos negados e em análise. O auxílio completa
80 dias neste sábado e tem gente que ainda está em análise.
Muitos erros que ocorreram na implementação do benefício
foram apontados antes por esse grupo e ignorados pelo Ministério da Cidadania.
Agora, a pressão da sociedade civil aumentou para estender o auxílio até o
final do ano (ou seja, mais seis parcelas), e o governo tenta organizar e
oferecer a prorrogação por mais três parcelas de R$ 500, R$ 400 e R$ 300,
resultando num valor total de R$ 1.200.
O governo tenta ganhar tempo para fechar sua proposta. Uma
espécie de transição para impedir, na prática, que não só o Congresso amplie
muito as parcelas do auxílio (elevando o endividamento público) mas também que
o fim do auxílio fique com o carimbo do presidente Jair Bolsonaro.
Há poucos dias, Bolsonaro disse que não tinha dinheiro para
manter o valor do auxílio. Depois voltou atrás, durante a live da última
quinta-feira, com a oferta dos R$ 1.200 em três parcelas. O anúncio ocorreu no
mesmo dia em que um grupo de 45 parlamentares apresentou projeto de lei para
conceder mais seis parcelas e alterar as regras.
A negociação está só começando, e o mais provável é um
entendimento no meio do caminho, provavelmente três parcelas de R$ 600. Cada
uma delas ao custo de R$ 51,5 bilhões.
A oposição a Bolsonaro já viu que a digital do presidente no
programa pode lhe favorecer nas próximas eleições, principalmente em redutos
onde não tinha penetração. Com esse perigo, não dá sinais para o diálogo. Pelo
contrário, afirmam que Guedes, com sua cartilha liberal, blefa ao falar de
aumento dos programas sociais.
Sem o diálogo, as mudanças legais para arrumar o dinheiro
que vai irrigar as transferências não serão aprovadas, mesmo com a aliança
entre Bolsonaro e as lideranças do Centrão.
A equipe econômica não blefa quando acena com o
fortalecimento dos programas por uma simples razão. Não quer perder o teto de
gastos e tenta de alguma forma “organizar” as prioridades para conseguir abrir
espaço nas despesas para a política social. Para isso, gastos terão de ser
revistos e enfrentados pelo Congresso.
Como mostrou o Estadão, cálculos da equipe econômica já
apontam a intenção de dobrar o orçamento do Bolsa Família, de R$ 32 bilhões,
com remanejamento de despesas de programas ineficientes.
O tempo dirá se é blefe ou necessidade de tomar a dianteira
para não ser atropelado pela mudança do teto ainda esse ano, que está na
berlinda. A flexibilização do teto parece cada vez mais inevitável, mesmo com a
avaliação da equipe econômica de que dá para aumentar os recursos para o
programa social sem mexer nele.
O tempo dirá. Maia surpreendeu ao não descartar a mudança no
teto em live promovida pela Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado.
Por ora, o que se pode esperar é uma renda mínima que contemple mais pessoas. Não será uma renda básica universal e sem condicionantes. Mas ficará mais próxima dela. Não será pouco garantir essa mudança, diz à coluna o presidente da Rede Brasileira de Renda Básica, Leandro Ferreira, que reúne 163 organizações da sociedade civil. O diálogo passa por elas.
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