Zumbidos da revolução e do nacionalismo de Cuba em ‘Wasp
Network’
Ao comentar “Wasp
Network: Rede de Espiões”, transmitido pela Netflix, Anthony Lane faz
na New Yorker uma pergunta que chamou de “suprema”: “Em qual universo uma
criatura sensível abandonaria voluntariamente Penélope Cruz?”. Capciosa, a pergunta
procede.
A atriz interpreta a engenheira Olga, filha de operários e
militante do Partido Comunista de Cuba. Era casada e tinha uma filha com René,
outro comunista de carteirinha: comandara uma coluna de tanques na guerra civil
angolana e recebera a medalha de combatente internacionalista.
Num dia de sol outonal de 1990, sem dizer palavra a Olga,
René entra num avião cubano e o pilota até a Flórida. Lá, vitupera Cuba e diz
que lutará com outros exilados contra Fidel Castro. Olga fica malvista por ter casado
com um “gusano”, um verme que traiu a pátria.
René é interpretado por Edgar Ramírez, astro de “Carlos”, o
melhor filme do diretor Olivier Assayas. Com outros dissidentes, come o pão que
Tio Sam amassou. É jardineiro, vive mal, morre de saudades de Olga-Penélope
Cruz.
René se ligou aos anticastristas e passou a pilotar aviões
que ajudavam quem fugia de barco da ilha. Logo foi chamado para missões
lucrativas: trazer cocaína da América Central. Contou o que se passava a um
agente do FBI —que agradeceu e o convidou a ser informante do órgão.
Filmado em Havana e na Flórida, “Wasp Network” tem um visual
de alvoradas cálidas e floridas. Os entretons áureos contrastam com a fauna
acinzentada da diáspora cubana em Miami, que rasteja
num brejo de traficantes de drogas e armas, políticos e policiais, terroristas
e espiões.
Há até heróis nesse charco. O filme se passa durante a
implosão da União Soviética, que deixou de subvencionar Cuba. Faltou tudo na
ilha, de luz a gasolina, remédios e empregos. Para atrair moedas fortes, o
Partido Comunista investiu no turismo internacional.
Como a iniciativa deu certo, grupos anticastristas
organizaram da Flórida a explosão de bombas em hotéis e restaurantes de Havana.
Invadiam o espaço aéreo cubano para jogar sobre a cidade panfletos e até
medalhinhas de Nossa Senhora do Cobre, a padroeira do país.
Cuba enviou à Casa Branca vários dossiês sobre os atentados
terroristas. Um deles foi levado pelo escritor Gabriel García Márquez, amigo
comum de Bill Clinton e Fidel Castro. Em vão: as bombas continuaram. A
conivência americana era evidente.
A resposta dos comunistas está no título de “Wasp Network”,
a Rede Vespa. Passando-se por desertores, espiões cubanos foram enviados à
Flórida para se infiltrar nas fileiras anticastristas e desbaratar atentados.
René é uma vespa, um dos heróis do filme.
Assayas conta essa história de maneira conturbada, realçando
a aventura em detrimento da psicologia dos personagens e da política
cubano-americana. Numa entrevista, o diretor justificou a confusão do filme
dizendo que o livro no qual se baseou tem toneladas de informações.
Trata-se de “Os Últimos Soldados da Guerra Fria”, de Fernando
Morais. O autor de “Chatô” entrevistou durante três anos os espiões e suas
famílias, agentes do FBI, líderes anticastristas e gente do governo de Cuba e
dos Estados Unidos. Seu livro é uma reportagem de primeira linha.
A peste ilhou Morais em Ilhabela. Ele gostou do filme,
embora ache que poderia melhorar se fosse mais longo e político. E respondeu na
lata à pergunta que não quer calar: por que alguém troca Penélope Cruz para
viver entre inimigos, se arriscando a morrer ou mofar na prisão?
“Por patriotismo”, disse. Patriotismo não é só uma palavra
fora de moda; é uma história. René e as vespas eram veteranos da guerra que
levou 400 mil cubanos a Angola —4% da população da ilha. Enfrentaram por 15
anos tropas armadas pelos Estados Unidos.
Olga justifica com três palavras, perdidas na torrente de
atos e palavras de “Wasp Network”, a presença dos cubanos em Luanda e Miami:
estiveram ali “por nossa revolução”.
O zumbido das conquistas da revolução, sobretudo o
igualitarismo na saúde, na moradia e na educação, explicaria o patriotismo das
vespas. Implicitamente, se admite que a ausência de liberdade e democracia
contaria menos.
Onde haveria patriotismo semelhante? Fernando Morais pensou
um pouco e respondeu: Israel. Produto de uma mobilização social e bélica, de
uma nação minúscula no meio de inimigos, o nacionalismo israelense teria algo
do cubano.
Com a diferença que os Estados Unidos sustentam Israel até
hoje, e a União Soviética já era faz tempo.
*Mario Sergio Conti é jornalista, é autor de “Notícias do Planalto”.
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