Outro dia um aluno confrontou o ministro aposentado do
Supremo Tribunal Federal (STF) Ayres Britto com uma frase sua: “Não é por temor
do abuso que se vai proibir o uso”. Britto criticava as fake news, e o aluno
considerava uma incoerência com o que defendera em 2009, quando foi o relator
de um processo em que o então deputado Miro Teixeira pedia a revogação da Lei
de Imprensa, da época da ditadura militar, por não se coadunar com a
Constituição democrática de 1988.
A Constituição previa, por exemplo, a pena de prisão para
jornalistas condenados por calúnia, injúria e difamação. Ayres Britto deu um
voto que se tornou símbolo da defesa da liberdade de expressão. Por isso mesmo,
ele se considera em condições de afirmar que fake news nada tem com a liberdade
de expressão, como afirmaram o presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores que
estão sendo investigados no inquérito das fake news aberto no Supremo, com o
ministro Alexandre de Moraes como relator.
Conforme escreveu naquele seu voto, “quem quer que seja pode
dizer o que quer que seja”, mas, esclarece, “nesse plano de informação tida
como verídica, correta”. E se responsabiliza pela consequência de suas
palavras. A Constituição fala sobre liberdade de informação, mas sobre algo
existente ou que já existiu, explica Ayres Britto: informação para se inteirar
das coisas, ou transmiti-las; o direito de informar e ser informado, no
pressuposto da factualidade, da veracidade. Sair à cata da informação por conta
própria. Prospecção, investigação.
No bloco de direitos sobre a comunicação humana na
Constituição, está dito que é livre a liberdade de expressão: da atividade
intelectual, artística, cientifica; de comunicação. “Fake News não é nada
disso. É o contrário, é desinformação. Não é categoria jurídica nem como pensamento,
nem como informação”.
Para Ayres Britto, a Constituição pré-exclui a figura das
fake news de qualquer bem jurídico por ela protegida: “Não é abuso da liberdade
de expressão, porque o abuso pressupõe o uso válido. Eventualmente você se
excede, extrapola, e prejudica a imagem de terceiros, prejudica a honra de
terceiros, a vida privada. Na fake news, não há abuso, há fraude, estelionato
comunicacional”.
No Código Penal, ressalta Britto, é falsidade ideológica,
uma mentira intencional, um engodo. “Omitir a verdade ou dar uma declaração que
se sabe falsa”. Para ele, seria educativo colocar os autores de fake news como
fora da lei. “Se conceituarmos cada qual dos bens jurídicos tutelados pela
Constituição, – informação, expressão, pensamento -, não há lugar para a fake
news”.
Ayres Britto preocupa-se com o que chama de “falta de
qualificação jurídica das fake news”, que para ele é “uma inverdade sabida, uma
inverdade autodefinida, e ainda assim o sujeito propaga”. A verdade sabida é a
que não precisa ser provada, é pública e notória.
O projeto que tramita no Congresso sobre fakenews foi adiado
para a próxima semana, pois o Senado não encontrou consenso em vários pontos.
Um dos mais em disputa é a definição justamente do que seja “desinformação”.
Outro ponto de discórdia é a obrigatoriedade de o usuário se
identificar de alguma maneira, para impedir o anonimato, que é proibido pela
Constituição. O uso de verbas públicas para promover qualquer ação proibida
pela lei será classificado como improbidade administrativa, ponto que hoje está
em debate pela denúncia do Globo de que o sistema de comunicação da presidência
da Republica usou a propaganda oficial para financiar os blogs acusados de
distribuição de fake news.
O ponto crucial é a responsabilização das plataformas pelas
mensagens que reproduzirem. No momento, pelo marco civil, a rede social só
precisa retirar a notícia denunciada como falsa quando receber uma notificação
judicial. Na proposta que está sendo debatida, após exame das mais de 60
emendas, o relator dispõe que, para pedir a retirada de uma mensagem de uma
rede social, o usuário tem que notifica-la juntando um comprovante de que
entrou na Justiça.
Caminhamos para um avanço na contenção das fake news, sem instituir uma censura impossível e indesejada nos novos meios.
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